30 de outubro de 2013

a cidade

É engraçado, quando dizem o que você sempre quis ouvir, mas não vem da pessoa esperada e nem você consegue gostar de ter ouvido.

Nos olhos ao redor e nas mãos que não param de teclar – as teclas do teclado, as teclas do telefone, as teclas do celular, todas as teclas – está um futuro devir. Eles me olham, eu olho, e ao nos olharmos sabemos que eu não deveria estar aqui. Esse não é o meu lugar.

O caminho de subidas pelas ruas irregulares de Porto Alegre, sempre tão ruidosa, mesmo quando é silêncio. A máquina de escrever espera, paciente. Então ouço os vizinhos gritando – eles brigam porque deixaram a vida passar sem passar com ela. Caem os prendedores, os pelos e cabelos.

Há meses ensaio um e-mail que nunca enviei. Mentalmente. Me diz, é bom? Vale a pena tentar? Eu tenho chance? Ninguém além de ti poderia dizer. A única possibilidade de Porto Alegre, na única rua possível. Estamos no centro do universo, onde nem Deus seria capaz de estar. Me diz, é bom?

Ando distraída porque gostaria de nunca chegar. Meus destinos nunca são. E passos arrastados, cabelos voando, olhos escondidos atrás de óculos escuros, indo e esperando não chegar. Porque nós nunca estamos onde gostaríamos de estar, ou somos o que gostaríamos de ser. É sempre outro lugar.

No norte do continente, mas sou latina. No sul, mas longe. Nossos ombros carregam agora um mundo pesado demais. O filete de sangue que escorre da testa, como lágrima vermelha, tingindo o caminho até a lateral da mandíbula, até pousar sobre o branco da camiseta. Para onde vamos depois de Porto Alegre? Quando enfim vencermos essa cidade, para onde iremos?

Todas as árvores não dão conta do ar que eu preciso. As ruas não dão conta do espaço e a língua que falamos aqui não é capaz de dizer o que eu quero. Nas calçadas tortas ficam as marcas de passos infinitos. Todos os dias aqui a cada dia mais longe. O tempo estende a distância entre o que sou e o que sou obrigada a ser.

Escrevo o que preciso para sobreviver. E manter a sanidade em uma cidade sem vida. Tuas mãos me chamam sempre que me lembro delas. Teu rosto ao lado da janela. Mas não há nada além do vidro. Nosso mundo é aqui dentro.

Me diz, é bom?

Nenhum comentário:

Postar um comentário