20 de fevereiro de 2015

todas as horas de todos os dias

the noise that you hear in your head is just the song
you know all the words and you know where they belong 
soledad, vengo llamando a tu puerta desde hace un tiempo 
in another world of sleep where someone warm was always there
just like I will always be and nothing's changed at all 
te traigo mis cicatrices, palabras sobre papel pentagramado 
so I fill every dream with the wish I'll see you soon
and though it may seem unreal it will come true 
me encontrarás en cada cosa que he callado
when you wake up everything will be as in a song  
ya he dejado que se empañe la ilusión de que vivir es indoloro

As linhas, os sons; as palavras, letras e sinais. E já se vão uns anos de quando alguém bateu à porta e eu não soube o que dizer. Foi então que, agora, anos idos mas ainda sem saber dizer, fui eu a bater à porta. Boas anfitriãs, veio a resposta, são capazes de falar pelos convidados.

Me falta, começou dizendo, essa habilidade que não está nas gramáticas.

Eu conheço as palavras. Brincamos juntas - desde o primeiro lápis, o primeiro caderno e as vogais em letra cursiva. Sempre e tanto, vestidas em fascínio, todas as combinações e sons e ritmos sobre papel pentagramado. As vírgulas que pausam e as que separam, travessões para introduzir - e pontos finais, que tudo acaba e é preciso saber encerrar. Ao mesmo tempo infinitas possibilidades e infinitas restrições. Nem dragões nem moinhos pelo caminho; o caminho, apenas: chão conhecido, jamais assustador. 

O que me falta, em escrever, é uma habilidade anterior ao próprio escrever. 

Me falta saber falar. Ser capaz de expressar, nas palavras escritas, uma voz que grita dentro sem nunca encontrar a saída. Fazer isso que fazem as músicas. E dizer que o que eu sinto é amor, é platônico, é ilusão, é raiva em silêncio, é sonho e fantasia. Mas como, uma vez perguntaram, como não sonhar? Tu não pode viver uma vida sem sonhos, sem sonhar acordada enquanto o mundo continua sendo mu(n)do. De todas as pessoas, tu - a única que não pode não sonhar. E os anos pelos quais as palavras ressoaram são os mesmos anos que hoje não existem mais - e os sonhos agora são tantos que se afogam todos os dias. 

Mas não há com que se preocupar, querida. Nenhuma de nós guarda ilusões.

Existe uma música que toca. Que, em contínuo, diz tudo o que sempre será preciso saber. Em todas as horas de todos os dias de todos os anos, a única verdade possível. E para ouvir é melhor fazer silêncio. Presta atenção no que eu não digo, pois que os silêncios aqui dizem mais que as palavras, e é em todas as coisas que calo, em todas as horas de todos os dias, que sempre vou estar.

4 de fevereiro de 2015

tempo que se opõe ao tempo

Imagino se chega determinado ponto da vida em que percebemos já ter feito tudo. Considerando a possibilidade de fazer tudo; tudo o que se julga necessário ou importante. E então nesse momento entende-se enfim que não há mais o que fazer aqui, não há mais por que estar, e a morte deixa de ser algo ruim.

Do alto do meu prédio, posso ver o seu. Posso ver o céu, apagado pelas lâmpadas de todas as janelas. Posso ver as janelas e as vidas dentro delas. Posso imaginar um rosto, semblante embaçado pela memória que engana. Posso imaginar movimentos no interior de um apartamento que não conheço. Ouvir música, preparar a janta, ler qualquer coisa. Ou talvez nada disso: talvez se deixar estar na sacada fumando, pensar em como se livrar de tudo.

O que há na altura e nessa sensação de imensidão que tão fascinantes? Bêbada de infinito e solidão, qualquer cidade é a mesma cidade, e você a insignificância.

Posso imaginar as mãos e tudo o que se opõe ao tempo. O tempo que se opõe ao tempo. Essa insistência vã de vencê-lo - que consome, arde e se esvai em horas perdidas. E leva junto os sonhos que não se tornaram realidade, as histórias para sonhar, os trens que nunca deixaram estação nenhuma e alcançaram lugar algum.

Os irmãos sono e insônia, tanto e por tanto tempo que começo a questionar se de fato acordo algum momento. Se a vida como a vivemos é uma ilusão, o sonho de alguém que dorme, então qualquer realidade é possível - qualquer realidade é fantasia. Sentados lado a lado, nossos braços se encostam, nossos rostos estão tão próximos e as risadas são tão altas que é quase possível acreditar. Meu rosto no seu ombro quando me escondo para rir, sua mão no meu braço e os segundos em que tudo é verdade.

Todos os dias os sons, todos os dias as caminhadas vazias. Passos descompassados, e onde estarão os seus enquanto os meus cruzam a rua. Essa distância, pequena e intransponível. Seria mais fácil voltar sem pensar na volta se não fôssemos nada. Mas agora todas as conversas que nunca teremos soam e se repetem e voltam em uma fantasia boba, insciente da própria fantasiez. Seria mais fácil voltar se um de nós não existisse.

Tempo que se opõe ao tempo. No silêncio, amor natimorto.