7 de dezembro de 2018

salgueiro-chorão


Tem uma história por trás de nós. Por trás de tudo o que somos na superfície. Uma história que podemos escolher contar ou não. Ou até mais: uma história que podemos ou não escolher viver.

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Tudo cresce e muda à nossa revelia. Às vezes, nós mesmos.

A primeira coisa que vi quando entrei no quarto foi a árvore do lado de fora. Aquela tinha sido minha janela por 18 anos. Olhei através dela quase todos os dias nesse tempo. Eu teria notado um salgueiro-chorão daquele tamanho. Teria?

À medida que passo as lombadas, uma a uma, e depois abro as caixas, os armários, as gavetas, uma poeira imperceptível ocupa o ar. Meus movimentos são mecânicos. Separo livros, peças de roupa, objetos variados que serão doados. Quase sem pensar. Alguns me remetem a determinados períodos da infância ou da adolescência, e por alguns segundos me lembro do contexto em que aqueles objetos tiveram significado, mas logo volto. A mim mesma. Ao que sou hoje.

Meus pensamentos estão em outro lugar.

Em uma tarde no parque. Em um café qualquer. Em uma fenda através da qual quero acreditar que vejo uma possibilidade. Um futuro no qual temos tempo e proximidade suficientes para viver.

***

Não esperava aquelas palavras. E no entanto elas foram ditas – e foram ditas para mim. E eu não conseguia parar de repassá-las. Linha a linha.

Tudo o que eu sinto.
Aquilo em que acredito.
Pelas tuas palavras.

Tudo isso colocava à prova uma crença que sempre nutri. A de que as palavras têm poder. Uma vez ditas, ganham vida e interferem no mundo, alteram a realidade. Do mesmo modo, palavras não ditas ou mal utilizadas podem mudar o curso de vidas inteiras.

É fácil acreditar nisso jogando com a ficção. Valeria para a vida? E não para qualquer vida – era a minha vida. As palavras foram ditas. E dessa vez não por mim. Nossas existências à espera. E tudo o que eu queria era acreditar que sim, as palavras mudariam tudo.

***

- Sai daqui, não quero papo contigo – ele disse rindo quando cheguei.
- Que foi que eu fiz? – ri de volta.
- De onde saiu aquilo tudo? Meu deus.
- Sabe que eu não tava esperando tudo aquilo.
- É tudo verdade.
- Mas eu tive a mesma reação. Vi e pensei “puta que pariu, vai te fuder”.

Era gostoso rir com ele. Tudo sempre ali, no ar entre nós. Quase dois anos de não ditos e latências ao alcance de um suspiro. Se qualquer um dos dois fizesse o movimento, tudo desabaria.

***

Quando foi que começou? Como foi mesmo que chegamos aqui?

Dizem que quando não temos resposta a essas perguntas é porque estamos sonhando. A vida às vezes tem um quê de sonho. Quando os dias correm em suspenso, e somos levados pelas horas sem interferir na passagem do tempo ou na ordem dos acontecimentos. A vida vai, “lenta e inelutavelmente, sendo erguida pelo tempo que jorra de todos os lados”.

Sem que nos déssemos conta, o que estava bem aqui até agora há pouco não está mais. Sem que nos déssemos conta, um salgueiro cresceu do lado de fora da janela. Sem que nos déssemos conta, as palavras que dissemos nos transformaram em outra coisa.