1 de outubro de 2013

a imagem

Sonhei que tinha um trabalho novo. Sonhei com uma praça circular, pequena e coberta de areia e com árvores e redes, onde acontecia a melhor festa de carnaval da região. Sonhei que era noite e estava infeliz. Sonhei que sentava para chorar no meio fio e ele me oferecia um cigarro. Sonhei então que não conseguia encontrá-lo, enquanto toda a gente dançava ao redor da fogueira acesa no centro da pracinha. Sonhei que me atrasava para o trabalho novo depois de ter esquecido e ido até o trabalho antigo. Sonhei que ele tocava minha mão. Sonhei que esperava impaciente que as pessoas ao redor saíssem e nós ficássemos sozinhos. Sonhei que ele sorria.

Acordo todos os dias com a boca seca e um gosto amargo. Palavras são sonhos que não deram certo, sonhos são narrativas não escritas. Sinto sede e preciso beber água. Não durmo sem um copo d'água ao lado da cama, preciso conferir o despertador algumas vezes, tapetes tortos e respingos ao redor da pia me incomodam profundamente e o verão é algo que eu gostaria de poder evitar. E nada disso importa quando acordo. E o dia diz, mesmo sem que eu abra as cortinas, é um sonho, é tudo mentira. É difícil preferir estar acordado quando se está dormindo.

Qualquer alegria vem com um gosto agridoce. E a vida está ao avesso quando, caminhando, é sonho. Ouço vozes que opõem sonho e realidade, como se dissociáveis. O sonho inventado e a realidade vivida, uma trincheira ou um abismo, linhas paralelas. Se os dias forem sonhos, o que será o resto?

Eu poderia dizer por quê. Ou poderia mentir. Eu poderia dizer qualquer coisa, menos a verdade.

Há uma imagem que não sei se sonhada, imaginada ou real. Um conceito inominável que une sonho, imaginação e realidade, talvez seja essa a natureza de tudo. E daquela imagem: um instante, fração, fragmento, fotografia. O carro ia passando, e o rosto no sol, suado, cansado, sorria procurando as chaves em frente à porta do prédio.

- Qual é a rua? Essa?
- Isso, a outra.

Deve haver um registro em algum lugar. No livro de alguém. Um retrato de aparência ferida. O sagrado e o profano, o prazer e a dor. O que posso dizer quando estou ao lado dele?

Aquele livro, e agora não lembro quando foi que falou dele, se num e-mail, numa entrevista, na volta do bar. Eu li, e há muito tempo que não lia algo tão intrigante - e que me dissesse tanto, e que me movesse tanto. Ou talvez eu já tenha lido com o olhar direcionado, porque foi indicação tua. Mas não importa. Queria dizer que é difícil dizer. Pra pessoas que mal se conhecem, poucas vezes se falaram. Mas pra mim - eu sei - há algo muito mais forte. Um laço invisível, de uma relação impalpável, de palavras lidas e escritas, de sentimentos compartilhados, das histórias que contamos. Divido contigo essa consciência e necessidade, esse escrever tão difícil de definir. Não sei de que forma: eu te amo.

Um amor que não existe. O rosto que eu procuro, todas as noites em todas as ruas. Objeto de um sonho, nunca sujeito de uma vida.

Eles dançam, braços percorrendo costas, cinturas e quadris. As mãos tocam os corpos, que balançam ritmados, numa sintonia própria que foge à corrente do mundo. Eles sorriem e olham um para o outro, ao mesmo tempo ofegantes e incansáveis. Há ternura e felicidade em um casal que dança, e toda a música do mundo não parece suficiente para a dança que eles dançam.

Sonhei com a vida e acordei. Sonhei com ele, como se o tivesse amado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário