29 de maio de 2012

o homem

Disseram-me, certa feita, que lá eu seria bem-vindo. Acontece, porém, que eu não acredito nos homens. Senão quando gritam gol, que talvez não haja outro momento em que sejam por completo sinceros e honestos. Aquela sociedade, disseram-me, é aberta e liberal, tu serás acolhido e te sentirás parte do lugar. Aconteceu, entretanto, que não me receberam bem e eu não me senti parte de lugar algum. Vi os homens andando, encontrando meios de contornar e também contornando as formas de encontrar. Eram como parasitas uns dos outros e acreditavam em sua indubitável certeza. Punham os erros sobre seus iguais, mas jamais sobre si mesmos. Havia ali casos e coisas de que eu mesmo duvidaria. E há dentro de mim algo que para sempre gostará de duvidar, sem, no entanto, poder fazê-lo. Falavam de muitas coisas, esses homens que vi. Falavam muito uns com os outros, constantemente se interrompendo, mas se lhes perguntasse o que o outro acabara de falar por vezes não eram capazes de me dizer. Não me ouviam muito, também. Para alguns, olhavam com desinteresse, faziam caretas de tédio. Outros ainda rezavam. E mesmo os que não rezavam diziam coisas sobre Deus. Que Deus é esse de que falavam, que condena mais do que abençoa? E essa fé estranha, que eles sustentam subjugando as diferenças? Havia muita pressa em tudo que faziam. Pressa de chegar e de sair. Pareceu-me que nunca se contentavam em ficar. Tinham uma sede de controlar o tempo que se fez incontrolável. Logo o tempo, que é fugidio e passageiro. Rápido demais para umas coisas, lento e miserável para tantas outras. Comentavam muito sobre fazer coisas valerem a pena. Para mim, trata-se de um conceito um tanto bizarro, a vida como uma dádiva. Eles não parecem ter ciência de que a vida é só a vida. Usam pouco os ouvidos e usam demais as pernas. Sempre correm. Também falam de amor, correria de amor. Dizem que amam o tempo todo e, no entanto, não parecem saber amar. Que amores são esses que eles sentem? Vi-los deixar de amar com a mesma rapidez com que diziam amar. É um verbo difícil para eles. Como também respeitar. São todos diferentes uns dos outros. E eis seu maior paradoxo: orgulham-se disso, mas não conseguem respeitar o mesmo fato. Dividem as diferenças entre aceitáveis e não aceitáveis, como se a eles coubessem todas as decisões da sociedade em que vivem. Alguns ainda, ante as diferenças que consideram inaceitáveis, desenvolveram a habilidade de atacar seu semelhante em ato pensado. E me disseram, antes de eu ir, que aquele seria um ótimo lugar para viver. Eu tentei de tudo uma vez, porque só lembrarei uma vez. E muitos me julgaram por isso. Disseram que fiz coisas erradas. Alguns dos homens que vi não compreendem a necessidade de conhecer. Alguns sequer tinham histórias para contar.

12 de maio de 2012

o encontro

Mais rápido do que poderia piscar um olho. Não vi nada e apenas vi. Mesmos gestos e trejeitos, iguais há nem tanto tempo. A voz, as mãos, o beijo no rosto. Troca sem sentido e sem reciprocidade. Porque ele me beijou e eu quis beijá-lo, mas encaremos: quem, na verdade, triste que é, gosta de quem? Não és tu e ao mesmo tempo não sou eu. Mas é a mim que os olhos vêm dizer eu te avisei para depois se postarem vermelhos, esperando fortemente lágrimas que não vêm. Nem mesmo à força, porque o sentimento já é seco. E me resta senão abstrair. Senão nada. Tristeza morta, saudade com tantos e tão poucos porquês. Todo o arrependimento na pele não me vale de nada, que estar ali eu já estava. Esperando, a contar com o que jamais aconteceria. E por que não ninguém que pise o mesmo chão é capaz de responder. Nem tu, nem eu. Nós. Ninguém. E agora ninguém foi capaz de dizer. Embora eu, eu tenha sido capaz de sentir. Sentir, porque poucas outras coisas na vida eu sou capaz de fazer. Poucas outras coisas na vida me fazem sentir a própria vida. Tua presença, teu abraço e tua pele já não existem, e não posso mais te arrancar palavras lúcidas. Eu quero - ou não. Eu espero. Pelo quê? Como fosse cair do céu, como fosse se me apresentar inteiro e entregue. Tão como eu. Naquele momento. Neste momento. Quando nem todos os defeitos humanos seriam capazes de me dissuadir. Mas de nada, porque nada existe. E onde o nada impera, meu coração. Todo o meu amor.

1 de maio de 2012

a conversa

If we could just shut up for a second, my darling, my dear, we might actually hear.

- Que que tu veio fazer aqui?
- Vim falar contigo.
- Eu não quero falar contigo.
- Tá, mas eu quero.
- Falar o quê? Veio contar como foi a noite?
- Não.
- O João te comeu direitinho?
- Cala a boca.
- Foi bom?
- Cala a tua boca, eu nem dormi com ele.
- Ah, ele foi embora depois? Só sexo, assim? E eu que achei que tu não fosse disso, hein.
- Meu deus, tu é muito idiota.
- Tu que dá praquele cara e eu que sou idiota.
- Cala a boca, eu não dei pra ninguém. E mesmo que tivesse dado, eu não te devo satisfação nenhuma. Idiota.
- Tá aqui por que, então? Vai embora.
- Eu vim ver como tu tá, disseram que tu passou mal ontem.
- Já viu? Eu tô ótimo.
- Para com isso.
- Vai ver ele de novo?
- Não sei.
- Já adicionou no facebook?
- Não. Para.
- Ele é um idiota.
- É teu amigo.
- Sim, mas é um idiota.
- Eu sou tua amiga também. É isso que tu diz pros outros de mim também?
- Ele é uma pessoa, tu é outra.
- Tu tá bem?
- Sim. Já disse que tô, porra.
- Grosso.
- Tu não tá bem, nada. Olha como tu vive.
- Como é que eu vivo? Que que tem como eu vivo?
- Tu só bebe, não come direito, não te cuida. E olha o estado desse apartamento, meu deus.
- Mais alguma coisa? Já criticou tudo? Vai cuidar da tua vida, meu. Deixa a minha comigo.
- Eu só queria ajudar.
- Eu pedi ajuda? Vai lá ligar pro João que ele deve estar esperando.
- Ah, cala a boca. Meu deus. Teu pai que é doente, e tu consegue ser pior que ele.
-
- Desculpa, eu não quis dizer isso.
- Já disse.
- Desculpa.
- Não. Esse que é teu problema. Tu fala demais.
- Eu não quis dizer, desculpa.
- Cala a boca.