3 de abril de 2011

costura malfeita

O menino assoava o nariz. E eu ouvi. Sabe? Aquele barulho característico de quando se assoa o nariz. Você sabe o que acontece quando se assoa o nariz. E ao ouvir alguém assoar o nariz automaticamente imagina-se coisas saindo dele em direção ao pano ou guardanapo estrategicamente posicionado e depois dobrado e reposicionado para uma segunda rodada. É, sim, é nojento. Aquelas mucosidades todas. E mesmo assim as pessoas assoam o nariz na sua frente todos os dias. E o menino estava ali, no meio da calçada, assoando o nariz escandalosamente – na minha frente. Um franco absurdo, eu sei que você diria. Eu também acho. Deveria mesmo existir leis pra esse tipo de coisa: o que se pode e o que não se pode fazer em público, visando ao não constrangimento dos demais presentes que se pudessem não estariam ali assistindo a tudo mas estavam porque não foi uma escolha deles – foi uma escolha de quem resolveu deliberadamente assoar o nariz em praça pública. De fato, um franco absurdo. Concordo com você.

Depois de tal despropósito, o menino e sua mãe seguiram viagem, como se o incidente tivesse sido apenas um incidente. Parece-me que essas mães pós-modernas não sabem mais educar os filhos; ora vejam, deixam-nos até assoar o nariz na frente de estranhos. Minha mãe não era assim, não. Ah, a saudosa Dona Cicica por certo teria muito que ensinar às mães pós-modernas. Mas esqueci-me então do menino assoante e voltei minha atenção aos demais pedestres – um guardinha vagaroso a andar de um lado a outro na calçada, um vendedor de pipoca com feições de mágico de circo, menininhos indevidamente uniformizados (essas mães pós-modernas...) a caminho da escola –, quando minha memória estalou: eu tinha um encontro marcado.

Um encontro marcado.

Certamente eu não me levantaria dali por mais nada – acredite, sei do que estou falando. Mas, diante das circunstâncias, me vi obrigado a desencostar meu traseiro daquelas tiras de madeira presas entre blocos de pedra moldados especialmente para ajustar-se a elas e ainda oferecer às vistas dos transeuntes um design minimamente agradável e atravessar a rua em direção ao novo destino. Antes de cruzar a via, puxei do bolso da camisa um dos meus três companheiros fiéis, meu pente, a fim de pôr ordem nas madeixas que por ventura houvessem se desordenado. Apoiei-me, então, na minha segunda companheira fiel, minha bengala, e pus-me a percorrer a rua. Mas não se engane, não: eu nunca precisaria de bengala, ora. Outro franco absurdo. Uso exclusivamente pelo garbo proporcionado. Meu terceiro companheiro fiel, por fim, são aqueles que me permitem ver tudo com a clareza e a distinção, imagino já percebidas: meus óculos. Um autêntico exemplar Ray-Ban Olympian anos 70. Assim, com tamanhos estilo e elegância, adentrei, pois, o recinto onde era ansiosamente aguardado.