26 de novembro de 2012

o ontem

Eu o procuro em outros homens.

Chuva de verão. 
Cumprimentam-se meio sem jeito. Ele usa uma camiseta listrada, ela, um vestido floral. Sorriem e entram no apartamento. Bah, que lugar massa, tu mora bem, hein? Ela o guia em um tour rápido pelos cômodos. Sentam na varanda. Um colchão se escora na parede sob um toldo, mais ou menos protegido da chuva. O que esse troço faz aí? Eu gosto de deitar aqui no sol. E de noite também. Agora no verão é tri bom. Ficar olhando pro céu. Mas às vezes os vizinhos aparecem na janela. Ele ri e pede para ver as músicas no ipod sobre a mesinha. Tu quer beber alguma coisa? Esqueci de oferecer. Tem cerveja e tem um champanhe que sobrou do ano-novo. Falava mais do que de costume, mas não estava propriamente nervosa. Sobem com as taças e a garrafa até o terraço. Ela posiciona a garrafa sobre a mureta lateral e se escora, apoiada nos quadris. Ele circula, olha para baixo, olha para frente, inspeciona o lugar e volta na direção dela. Se aproxima, acaricia o ombro dela com a mão esquerda, estica o braço direito para soltar a taça.

O físico, as roupas, os gostos, o jeito de falar e mexer as mãos enquanto fala.

Madrugada.
Cara, eles fumam Black.
Ele rouba um e se dirige à porta.
Ah, que graça tu. E o meu?
O sorriso.
Sempre o sorriso.

Eu sei que você não é uma pessoa comum.

Essa pode ser a nossa música, se a gente puder ter uma música. Repousavam sem perspectiva sobre a cama desarrumada no apartamento dela. Tarde de sábado. O ipod conectado à pequena caixinha de som tocava as músicas aleatoriamente. Muitas tardes se resumiam a isso. Ouvir música, nenhum objetivo, passando as mais chatas - essa não, essa não, deixa, volta naquela, não -, ela deitada sobre o peito dele, ele escorado no almofadão xadrez. Era capaz de passar a tarde naquela posição, o braço esquerdo levantado, servindo de apoio extra à cabeça, a mão direita habilmente trocando as músicas no aparelhinho. Ela ficava deitada, mexendo nos botões da camisa dele, desabotoando, abotoando de novo, enfiava os dedos no pequeno bolso do lado direito, fazia o indicador e o dedo médio caminharem sobre o peito que subia e descia lentamente. De repente levantava rápida, ajoelhava-se na cama ao lado dele, empolgada com alguma ideia ou pensamento, falava, ria faceira, voltava aos poucos para a posição original até se acomodar de novo, ele baixava o braço que segurava a cabeça e a envolvia, apertando bem forte.


Menos vontade de voltar do que só a saudade.

Via-a agora: blusa preta, suada, pulando, aos berros, enquanto quatro figuras de preto a poucos metros comandavam um show apoteótico. Percebe que está sendo observada e vira o rosto, sorriso aberto, mais feliz do que jamais a havia visto. Ela nunca teve receio de distribuir sorrisos. Melhor do que andar de cara fechada, espanta a felicidade, dizia. Mas ali não era um sorriso de hábito ou simpatia. O ápice de uma felicidade que se experimenta poucas vezes na vida. Ao vê-la assim, dançando e balançando os cabelos sem se importar ao som da banda que ambos tinham no topo de seus top5, não era difícil lembrar por que se apaixonara. Você só pode imaginar o que perde. O show de uma década. Cara, tu não tem ideia. A mulher que não é mais sua.

O som da voz e o perfume. 


Nos apaixonamos pelo cheiro. 

O moletom emprestado. 
O travesseiro usado. 
O nome de um na voz do outro.
Vem cá.

Não posso te fazer feliz.

Nunca souberam lidar com eles próprios, era de se esperar que não soubessem lidar com os outros. Era compreensível. Embora não fosse justo - a vida não é justa. Mesmo que sentissem falta, e em momentos específicos e esparsos viesse uma lembrança, a certeza de que nunca encontrarão outra pessoa que pense do mesmo modo. A intimidade dos casais que não precisam falar em contraste com o acúmulo do não dito que um dia começa a pesar e despenca sobre os dois. Não vamos nos enganar. O que quer que tivemos já não temos mais. Uma saudade latente que vai te acompanhar para sempre. Eu não quero depender assim de alguém.


Um rosto na rua que parece ser o dele.

Amores insuperáveis a vida não devolve. Vem com eles uma réstia da eternidade: nenhum outro em nenhum tempo será possível. Uma árvore cuja sombra do último momento em que esteve de pé permaneceu gravada no chão.

- Tu nunca vai ser feliz assim.

- Eu sei.