31 de janeiro de 2010

a rapidez humana

Lembro-me das lágrimas no cinema. Elas escorriam e brilhavam sobre seu rosto com a luz vinda da tela. Não faz diferença aqui o filme, e, hoje, sequer sou capaz de afirmar com certeza se era esta a causa daquelas lágrimas. Faziam parte de um processo silencioso e particular que eu não poderia interromper. Retornei minha atenção à tela e apenas apertei e acariciei a mão dela. A mão que tanto me deleitava observar, com todos os seus detalhes imperceptíveis à impaciência.
Que mistérios - para mim - passam a cada minuto por sua cabeça e que princípios e crenças determinam os comandos que percorrem o seu corpo em uma fração de segundo formando as ações e palavras, aquele dia, destinadas a mim? Que desejos e vontades. Que sentimentos...
O mundo é tão rápido.

14 de janeiro de 2010

h maiúsculo

Eu o encontrei em um dos bares daquela rua, em um fim de tarde, por acaso. Ele estava sentado com a namorada, os dois tomavam cerveja e conversavam. Eu cheguei com duas amigas, nós sentamos, pedimos cerveja e conversamos.
Ele usava um all star verde capim, um jeans azul escuro, um lenço xadrez ao redor do pescoço e com as pontas para trás, como sempre, e a camiseta com o Che de ray ban - "eu nem me dei conta naquele dia. No quarto de um militar com aquela camiseta. Ele ficou me olhando sério e não me cumprimentou, e eu não entendi por quê até minha namorada me puxar pela porta de volta. Passei um mês sem pisar na casa. Mas, ah, o que que eu ia fazer? A camiseta era bem como eu sou, mesmo: uma mistura, uma mistura que não dá pra entender e é isso."
Eu usava meu all star bege, um jeans também azul escuro e uma blusa vermelha sem mangas - "vermelho é a cor da sedução, meninas. Quando quiserem seduzir alguém, usem vermelho."
Ele não me viu. Eu fui ao banheiro e, quando saí, a namorada tinha ido embora. Parei na mesa dele e cumprimentei. Perguntei se, depois de quase dois anos, ele ainda se lembrava de mim. "Claro. Era a penúltima fileira à direita, não era?" Minhas amigas olharam, fizeram sinal e foram embora. Perguntei sobre a faculdade de História, que eu tinha vontade de fazer depois de terminar a minha. Ele me deu uma carona. Eu o convidei para entrar e tomar vinho. Ele aceitou. Nós dormimos juntos.
Apenas dormimos.
E mesmo assim me considerei uma vagabunda até a manhã seguinte, quando soube que a mulher, naquele dia, era a ex-mulher, a mãe da filhinha dele de oito anos. "Era minha ex-mulher." Assim. As primeiras palavras da manhã. Como se tivesse percebido que eu acordara há tempo e soubesse no que eu pensava desde então.
Talvez tivesse percebido. Talvez soubesse.
E então me beijou. Com os lábios ainda secos. Com o hálito puro das sete da manhã. Gosto de boca. Sem disfarces, flúor, halls ou chicletes de menta.
E então me beijou. Com os lábios ainda secos. Como só um homem quase vinte anos mais velho poderia fazer. Sem se importar com a pequena espinha que há poucos dias surgira no canto esquerdo do meu queixo. Sem frescuras.
A manhã de verão, sem dar conta dos nossos batimentos acelerados e do suor dos nossos corpos, passou também acelerada. A tarde e a noite pediam para chegar.
Eu o deixei em um dos bares daquela rua, em um fim de tarde, por acaso. A mulher, nesse dia, era a namorada, perdoada.

9 de janeiro de 2010

2010

A luz dos faróis do carro forte em meus olhos, cegando. E depois outro, e outro, e outro, e outro, sem nunca cessar. Feixes sucessivos de luz.

- A vida em películas - ele disse.

Então nós viramos de costas. Os carros continuaram a passar, mas a vida havia parado.