28 de maio de 2015

a chuva

Não necessariamente significa algo, mas é essa sensação. De que existe algo ali dizendo mais. Nos silêncios. Nas ausências.

Respiramos, e tudo se esvai. Fica a chuva, que às vezes parece não ter fim.

Não quis me acompanhar na volta, não se preocupou em ouvir quando tive vontade de falar, não me procura quando tem o que dizer. E quando houve, afinal? Nada do que podemos dizer jamais será nosso, e tudo o que podemos dizer deixa de existir no momento em que falamos.

Houve um dia em que vivemos em uma realidade paralela, sentados na mureta do jardim de inverno enquanto os faróis dos carros carregavam a noite em duas direções. Se o tempo tivesse passado a nosso favor, estaríamos em Madri, caminhando ao passo do sol, e minhas palavras não passariam de um borrão na parede.

De longe, procura meus olhos.

Olha pra mim.

Rimos de nossa própria desgraça. No fim, é só a solidão.

Por dentro quero gritar, quebrar os vasos de flores que nunca estiveram sobre a mesa, atirar vidro na parede só pelo prazer de ver os pedaços caírem, perder o fôlego de raiva, puxar os cabelos até sentir outro tipo de dor.

Você já experimentou o silêncio? Tem gosto de praia vazia no inverno.

Não olhe pra mim. Releve minha existência. Me desconsidere de tudo.

Ser invisível não é um desejo fortuito, curiosidade de ouvir a conversa alheia na cozinha ou espiar os vizinhos durante a noite. É mais um sussurro – de quem é visível mas jamais visto. De ser somente no que cala. De existir e morrer em cada linha.

Todas as vezes que chegamos, e todas as outras, quando partimos, e o vento e a chuva que balançam as árvores e encharcam tudo na rua. Só algo em mim que continua igual. Impregnado do que a chuva não é capaz de lavar e o vento não é capaz de levar.

A chuva que segue, insistente, incessante. Há certa tranquilidade em pensar no que se tem certeza de que termina.

16 de maio de 2015

deus

Se eu acreditasse em Deus, diria que ele não vale nada. Diria que ele é um de nós jogando The Sims, se divertindo com tudo o que pode inventar.

Antes de sair, eu já não queria ir. Antes de começar, já sabia que não começaria jamais. Isso de prever desfechos não funciona, a gente nunca sabe, tem uma voz que diz. A tentativa de não tentar matar uma história antes do fim do primeiro parágrafo. Uma pena eu viver disso - escrever e apagar. Reformular. E mesmo nos melhores textos ainda encontrar erros ou frases mal pensadas.

Como eu sei? Eu nunca sei - eu apenas sinto. E quando eu não sinto dificilmente a vida me faz me sentir; nada há de sair de onde nunca existiu coisa alguma. Nada a dizer que já não tenha sido dito. Nada a escrever que já não tenha sido escrito. Tantas vezes, por tantas pessoas, em tantos mundos e idiomas, e agora por mim. De novo. Numa eterna repetição de palavras e fracassos.

- Vamos tomar um café?

E por que não? Café é das melhores coisas da vida, nada de ruim pode vir de um café. Não há melhor forma de começar ou terminar qualquer coisa do que com um café. Começar o dia, terminar o almoço, começar uma história, terminar outra. Se não outra coisa, seria, ao menos, um bom café em um dia de outono.

Na rua, o fim da tarde já escurecera o dia. No ônibus, janelas fechadas e muitas pessoas respirando. No mundo, muitas pessoas respirando. Acendo um cigarro. Time takes a cigarette. Tiro o casaco e, quando entro, ele já está lá.

A conversa flui aos solavancos, carros em uma estrada não pavimentada, não sabendo bem por onde ir. Ele comenta sobre minha timidez. Tenho vontade de virar os olhos, mas em vez disso dou outro gole no café. Deixa rolar. Uma noite inteira como uma espécie de prova. Você é capaz de passar por isso? É capaz de sobreviver e parecer uma pessoa normal? Deixa rolar. Beijos de café e cerveja. Lembro de um dos primeiros encontros com meu ex, quando vimos em uma mesa próxima um casal terminar o relacionamento. Começo e fim, lado a lado. Agora, devia estar na cara para todos ao redor que estávamos ali nos conhecendo: a falta de intimidade e o desconforto estampados na minha testa. Deixa rolar. Mais beijos, mais cerveja. Eu bebi mais e mais rápido. O que seria de mim sem um copo na mão. Deixa rolar. Deixa rolar.

Tudo o que eu tenho é o meu amor, e amar é não amar. Todos os rostos de todos os anos se misturam como se tentassem dizer: é sempre igual. Começos, meios e fins, saindo do mesmo ponto e chegando ao mesmo lugar. A minha falta de fé em tudo. Em absolutamente tudo.

Voltei para casa com a mesma sensação com que havia saído. Ele não tinha nada de errado, mas não poderia ser ele porque ele, para mim, é outro. Em algum lugar não muito longe, quem eu amo está amando e sendo amado. Sinto meus olhos apertarem, beirando lágrimas, talvez pedindo por elas. Às vezes é preciso chorar. Para ter consciência de si. E lembrar que as coisas sentidas sempre encontram uma forma de sair.

Uma forma de expressão. I'm busting up my brains for the words. Mas, se meus olhos não vieram ao mundo para brilhar diante da vida, tampouco servem para as lágrimas. Gosto deles embalados pelo vinho, cantando David Bowie.

No lugar de Deus, estaria me divertido horrores. Mas eu não acredito em Deus.