29 de março de 2012

o silêncio

O tempo voava. Ao contrário dos silêncios que ali se punham, entrelinhas, entrementes. Permanência entre olhares e desculpas forjados. Sorrisos de contraste. Como negativos que o tempo esqueceu. E os papéis sobre a mesma. Cumplicidade ininteligível e que talvez não fosse mútua ou que a gente nem soubesse que existia. Ou ainda: talvez não houvesse cumplicidade alguma. Só convenções sociais convencionadamente estabelecidas. Silêncios certeiros impregnados de verdades subentendidas, riso fácil das pequenas ironias e crueldades. A mão esquerda na testa segurando a cabeça e os olhos fechados que se poderia dizer pesarem talvez uma tonelada. Em longos momentos assim, entre presença e ausência, quem dirá no que pensamos senão nós mesmos. E naquele canto da sala se via uma atmosfera diferente. A aura. Esse conceito de que falam tanto, mas que ninguém sabe definir, com precisão ou sem. Mas ele tinha uma aura. Toda dele, séria, estranha, externa, carregada de qualquer coisa pesada e distante, de para quem as coisas exigem certo esforço. Dito de outro modo, o modo de olhar. De outros nomes a outros sabores, o gosto de vê-lo sorrir ou entregue ao computador. Há magia nas palavras e há magia no silêncio. Suas nuances esparsas que a gente tenta pegar como o menino que tenta prender vaga-lumes no vidro. Inutilmente, porque sempre nos escapam na exata hora em que mais nos julgamos capazes de conseguir alcançá-las. Talvez rápido demais essas sutilezas percam seu caráter sutil e se tornem outras coisas, como o que é novo logo deixa de sê-lo para passar a ser velho. O que ele contemplaria, então? Ou talvez só espiasse por cima da tela um nada qualquer. Os nadas entre nós perdidos entre as nuances do silêncio; ao contrário destas, tristemente fáceis de tocar. E as mãos, sempre as mãos. Coisas de quem só observa, de um narrador solitário. Vinha com a voz grave e macia. A expressão dura e absorta na espera. Imóvel na cadeira, longe dos alheios que dançam suas mãos sobre teclados transformando o som das teclas também nos únicos sons possíveis. É silêncio quando há sons que não são vozes? As tardes iam entre suspiros, chás e cafés. Esvaíam possibilidades. E batia uma saudade de uma coisa inexistente, quando se dizia a desistência de entender a lógica humana. E quem de nós vai dizer, se for. Nossas vontades escusas, nossas verdades suspeitas. Só de ouvir tua voz. Como cena de fotografia. O tempo voava.

16 de março de 2012

o beijo

Pousavam na cadeira vazia o silêncio e a ausência. Os caras com quem eu já me envolvi e os que eu mais amei até hoje nunca foram capazes de me beijar dessa forma. De me dar um beijo inimaginável e de doce imparidade. Um beijo perfeito. Um rosto de fora, que me encontrou quando a expectativa da noite era voltar pra casa, que não veio até a minha cama, que eu nunca havia visto antes e que não vou ver outra vez. Como se a boca tivesse sido feita de forma equivalente à minha, para que o encaixe fosse exato em qualquer posição do sofá de ângulo reto. Como se nossos beijos existissem um para o outro, entre sorrisos e covinhas alinhadas. Sem comparação, porque nunca houve um semelhante. E no universo imenso de sete bilhões de pessoas, o beijo dele fosse par ao meu. O beijo e cada detalhe presente no jogo de sedução que une homem e mulher; os gestos, os movimentos, o toque, a maneira de pegar, acariciar e abraçar. Irmãos das impressões digitais, beijos diferem entre si. Não poderá jamais haver dois iguais. E ao longo da vida as pessoas passam por uma série de encontros e desencontros em que esses beijos se cruzam, se adaptam, se ajustam ou não. Mas não se repete a chance de um beijo perfeito, e talvez ela nunca aconteça. Como se a vida, em um rompante inesperado e único, quisesse contradizer Platão e mostrar que no mundo real pode haver algo do ideal. Como se a vida, com essa manobra insana, quisesse me fazer acreditar que existe, solta no mundo, uma pessoa anatomicamente perfeita para mim. E a única coisa a ser guardada desse cara é um espaço de tempo curto, possivelmente menos de meia hora, em que esses beijos foram possíveis. Como não amar, só por uns dias, essa figura única, e ao mesmo tempo e de certo modo misteriosa, que se encaixou de forma exata ao meu corpo e à minha boca em um sofá desconfortável de boate? Perdão e respeito aos homens que em algum momento foram homens da minha vida, mas até ontem eu nunca havia sido beijada.