11 de julho de 2012

a loucura

Era verde, a Janaína. E bastante complacente também, gostava de me ouvir. Ou pelo menos não demonstrava sinais de incômodo ou impaciência como as outras. A Sandra, por exemplo, era antipática, fazia cara feia quando eu me aproximava ou não me deixava falar, interrompia a toda hora. E a Bruna, geniosa como só ela, não aceitava nem um relato resumido do dia no escritório. Só a Janaína me entendia. O problema da Janaína, contudo, é que ela não falava. Toda a compreensão ela compensava com silêncio.
- E então, Janaína, o que eu devo fazer? Falo a verdade ou enrolo meu chefe outra vez? - eu perguntava esperançoso, esperando um conselho sábio, mas ela era só silêncio.
Chegava do trabalho, sentava perto dela.
- Que dia, Jana, tu não tem ideia. Eu ainda vou enlouquecer naquele escritório. Hoje o estagiário chegou cheirando à maconha. Como um estagiário vai trabalhar cheirando à maconha? Como um chefe acredita no estagiário que foi trabalhar cheirando à maconha quando ele diz que é um incenso novo que acabou de chegar da Índia? Como um chefe pede ao estagiário cheirando à maconha onde comprar o incenso? Como o estagiário cheirando à maconha é capaz de responder "na Redenção, mas às vezes eles te enrolam, tem que cuidar" e ouve do chefe que vai ir lá no domingo ver se encontra, "no brique, né?"? E a secretária encontrou uma maneira de não esquecer mais de passar os recados que nos deixam. Disse ela, orgulhosa: "Agora eu digo: o senhor ou a senhora ligue diretamente para a pessoa com quem deseja falar". São uns primores, essas secretárias. Não acha, Jana?
Tudo isso eu dizia. Isso e uma miríade de outras coisas. Mas a Janaína nada. Era uma musa calada.

- Você acha que sou louco?

A pergunta se deixava ficar, pendente e escancarada, e ele não percebia. Ele era o Rogério, o que quase ninguém sabia, porque todos diziam Roger. Roger não se incomodava com isso. Roger era funcionário em um escritoriozinho de advogados. Escritório pequeno, de causas pequenas, de salas pequenas e advogados pequenos também. Roger também não se incomodava com isso. Os outros – o chefe abobado, o estagiário maconheiro, a secretária burra e os colegas fofoqueiros que também eram tudo isso – achavam que Roger era esquisito: às vezes ele sentava em uma das cadeiras da sala de espera para tomar café e conversava com a samambaia.

- Ele chama ela de Adri.
- Quem é Adri? Temos uma estagiária nova?
- Ele não tem mulher.
- Quem não tem mulher?
- Ele fica olhando fixo, parece um psicopata.
- Tem um psicopata aqui?
- Será que ele é gay?
- Quem?
- Parece que dorme de olho aberto.
- Eu durmo de olho aberto às vezes.
- Disseram que a mãe dele era louca, doida de pedra, vai ver é por isso.
- É... Como é que se chama, mesmo? Genérico? Genésico, isso.

Você percebe agora, Roger? É isso que pensam de você. Você não vai fazer nada?

- Meus colegas do escritório são estranhos. Ficam me olhando. Uns como quem diz “ah, coitado...”. Outros parecem que têm medo, vê se pode. E ficam cochichando, principalmente quando eu vou conversar com a Adri. A pobrezinha fica lá sozinha o dia inteiro, ninguém é capaz de parar pra falar com ela. Eu tenho coração mole. E sou educado também. É crime isso, Jana?
Jana nunca me respondia.
Se eu tentava a Sandra: “Nem vem, o dia hoje foi um inferno, esse calor. E esses teus vizinhos não calam a boca. Eu tô um caco. Me vê um pouco de água aí. Por favor, né, é o mínimo, porque depois de passar o dia todo...”. E a Bruna: “Sai daqui, não quero ouvir chororô. Isso, vai pra lá”.
Deprimente.

Roger. Você precisa de um analista.
O quê?
Sua mãe era louca. Doida de pedra.
Eu não preciso de um analista.
É genético.
Eu preciso?

- Doutor, o senhor acha que sou louco?
- Você acha isso, Roger?
- Eu não acho, mas
- Por que você acha isso, Roger?
- Eu falo com plantas, doutor.
- Você fala?
- Eu falo.
- Pois não me diga: eu também.

Você acredita nisso, Roger?

E o Roger, que não se incomodava muito com as coisas relacionadas a ele próprio, não se incomodou com isso também. Voltou para casa acreditando na sanidade.

- Eu não sou louco, Jana. O doutor também conversa com as plantinhas dele.

Se todas as pessoas são loucas, todas as pessoas são sãs.
Você acredita nisso, Roger?

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