18 de julho de 2012

a carona*

Claro, podemos nos encontrar, sim.
A fantasia era doce. Ele entraria, ofereceria cerveja: a gente começaria a conversar, sobre sabe lá, qualquer coisa, e aconteceria. O que acontece quando duas pessoas que se conhecem pouco passam a se conhecer mais. A curiosidade, a vontade, como tem de ser, o gosto bom de todos os começos.
Que dia tu prefere?
Brincar com as palavras sempre me encantou de alguma forma. As múltiplas possibilidades na mesma frase, e eu era a senhora que controlava o tempo e mandava e desmandava nos elementos e na ordem enquanto as ideias que vinham não sei de onde - e até hoje eu não sei - me contavam uma história.
Qualquer coisa me liga.
O apartamento dele era agradável, tinha uma sala espaçosa, e pela janela era possível ver o céu e a copa das árvores da rua. Era uma tarde chuvosa. Fiquei observando os detalhes - a cor das paredes, os livros e os cds, a madeira da mesa, a toalha que, se não fosse igual, lembrava uma que minha mãe costumava usar - enquanto procurava um lugar onde deixar a bolsa. Ele fazia café e da cozinha perguntou qualquer coisa que eu respondi olhando para o tapete e o tecido do sofá.
Pode ficar à vontade.
Ainda que digam que é o acaso que controla o mundo, não pode ser o acaso. Quando duas pessoas que pensam e sentem da mesma forma, mesmo sem saber disso, de repente se encontram. E as palavras de um são do outro. Não pode não significar. Que o que une na verdade não una e seja um capricho, que ter visto nos olhos dele algo que eu também vejo nos meus seja uma coincidência.
Tu escreve?
A conta dos copos já havia sido perdida - se em algum momento foi começada. Olhei para o pequeno grupo que acabara de chegar e o reconheci. Usava jeans, tênis e um blusão azul marinho. Foram mais alguns copos e idas ao banheiro até a hora em que ele parou de conversar para cumprimentar o restante das pessoas e me viu. Ele sorriu e acenou. Eu sorri e abanei.
E aí, como é que tá?
Eu costumo sublinhar trechos dos livros enquanto leio. Uma frase ou um parágrafo que falou mais alto. Não sei exatamente por que faço isso - até hoje, eu só voltei a folhear um ou dois em busca dessas marcações. Talvez a intenção seja lembrar, em trinta, quarenta ou cinquenta anos, os pensamentos que eu considero hoje. E mesmo assim não consigo ver por que seja importante. O fato é que foi um hábito adquirido depois que eu mudei de cidade. Os livros dele na minha estante, todos lidos em um tempo em que eu ainda não sonhava, estão intactos, sem qualquer risco meu.
Tu vai pro mesmo lado?
Via o rosto dele sob a luz dos postes enquanto falávamos sobre música, relacionamentos e internet. Passamos pelos bares, que ainda estavam cheios, e eu secretamente agradecia por ter saído de casa aquela noite. À medida que avançávamos no percurso, enquanto o ouvia falar, inevitavelmente eu pensava em como seria se ele fosse outro, e não alguém que eu já li.
Eu vou junto.
O melhor de quem domina a língua que fala é ouvi-los falar: as concordâncias corretas, os plurais, as conjugações, tudo no lugar, com uma sonoridade tão prazerosa quanto música. Não por acaso os cancionistas dizem que a fala humana é ela própria uma forma de canção. Melodia e letra.
Agora que tu já nos fez vir até aqui.
O prédio ficava na metade da quadra, e àquela altura já estávamos na esquina. Ele parava para que eu passasse na frente nos trechos mais estreitos das calçadas. Gentileza simples, gostosa de sentir. De vez em quando eu virava o rosto para ver as expressões e os gestos que ele fazia. Sorria diferente, ao mesmo tempo cheio e comedido. Como se quisesse sorrir e esconder o sorriso no mesmo movimento, presenteando com incógnitas.
Bem que tu podia ligar uma hora dessas.
Há algo em caminhar à noite que os dias jamais serão capazes de oferecer.

*Baseado em fatos reais, só que não.

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