- Dá pra tomar isso bebendo?
Você pergunta na hora que eu tiro uma das pílulas da cartela e boto na boca enquanto nós bebemos champanhe em taças de vinho. A resposta é um sonoro "pfffff", meus lábios sacudindo com o ar que passa, como se eu dissesse sei lá se posso, mas olha a minha cara de quem vai transar. A vida não é bem o que esperávamos que seria.
A magia da juventude - de sorrisos, festas, bebedeiras, sexo, relacionamentos - não. Não era assim. Eu estava no centro de todas essas coisas, e era exatamente isso: elas aconteciam ao meu redor. Como em uma conversa; as contribuições que parecem sair da minha boca para atingir o ar entre as cabeças e sumir, inteiramente ignoradas, como se eu falasse de outro assunto e com outras pessoas. Como se eu não estivesse ali.
- Vamos sair?
- Sim.
Ouço do quarto o alerta de mensagem do celular que está na sala. No momento em que soa, o barulhinho acorda a expectativa, e um ou outro nome surge automaticamente. São segundos de ilusão até eu dizer a mim mesma que é minha mãe ou a operadora. Eu nunca falho.
Existe algo na minha cabeça que eu não posso deixar para trás. As vidas que me cercam, quando não há nada a perder. O que me mantém viva não no sentido estrito da expressão, fisiologicamente, fisicamente. O que me mantém viva na medida em que me faz sentir. E sentir apesar do resto - todos os momentos de cansaço, raiva, tristeza e frustração que têm o hábito impertinente de ressurgir.
- Isso é inútil.
- Por quê?
- Porque ninguém conquista só com palavras.
Mas tem você.
E não há nada como você.
Essa ideia de alguém que pode me completar. Da pessoa que encontra no apartamento de dois quartos do quinto andar o mesmo que eu. É ali que queremos estar. Uma ideia em ideia. Você nunca me decepciona. Apoiados na sacada, olhando cá de cima a colcha de prédios, ruas e árvores, somos um casal invejável. Eu me apaixonei por uma pessoa real? Ou isso ou você é a fantasia dos meus desejos. Nossas noites e manhãs. Os segundos tiquetaqueando nossos corpos nos lençóis.
- Gosto de lavar louça no inverno.
- Por quê, meu Deus?
- A água quente esquenta as mãos.
Você nunca tirou uma foto comigo. Das reveladas e guardadas e vistas aleatoriamente durante a vida. Elas seriam a prova de que um dia nós existimos juntos não fosse o fato de não existirem. As fotos guardam enquanto duram, e se houvesse uma da briga, outra da raiva e uma terceira das lágrimas eu talvez não pudesse dizer que esses momentos não aconteceram. Sem fotos, é com você que eu rio até o estômago doer. Isso pode ser amor?
- Você sente falta?
- Todos os dias.
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