Repito as palavras porque tudo o que dizem se repete na vida. Palavras que surgem para lembrar que nada se manteve. Que, de tudo aquilo em que já depositei minha fé, nada sobreviveu. Ao tempo, a sentimentos ambíguos, a mim.
Meus olhos tão verdes quanto jamais alguém poderia ver. Porque são as lágrimas e não os sorrisos que intensificam a cor. Brilham no escuro, onde ninguém é capaz de enxergar. E o que eles veem tampouco é dado aos outros que vejam: imagens de um rosto familiar, de uma felicidade breve, de segundos rápidos demais.
Não são os meus olhos os procurados nem meus os lábios que, de longe, alguém tenta perceber se se movem. As luzes nos envolvem em um tipo especial de silêncio, que só se manifesta para aqueles que sabem ouvir. Embora não vejamos um ao outro, nossos olhos se encontram. Em silêncio e ruído. Num momento que só acontece uma vez. Nos segundos que antecedem o movimento das pessoas ao redor, que se mexem em dança e mudam toda a configuração da multidão. Uma linha invisível une nossos olhares, mas o que eles enxergam é difícil dizer.
Ver às vezes é demais. Sentir poderia ser dispensável. Não há necessidade de resgatar coisa alguma. E não importa quantas pessoas estejam presentes - é sempre muita gente e ninguém ao mesmo tempo. Se todas as palavras fossem repetidas agora - para mim e não por mim - só haveria uma resposta possível. Em qualquer lugar, a qualquer hora.
Nunca fizemos promessas, porque promessas não feitas jamais podem ser rompidas, mas antes tivéssemos feito. De nunca nos deixarmos ir. Porque só é possível ser quando somos ao mesmo tempo. Porque a felicidade só é possível quando dividida em um abraço que não deveria ser o único.
Quando já não vale a pena ver, vemos. Quando não há mais espaço para sentir, sentimos como nunca antes. Vagando à espera de uma palavra apenas, sem a chance de se refazer ou acabar. Não há nada além de bares fechados, chuva fina e luz mórbida nos postes. Diante de palavras repetidas, repetir o amor em voz alta. Até que se desfaça em sons e perca o significado. Como acontece com as palavras.
12 de novembro de 2015
19 de outubro de 2015
a cidade inventada
Talvez as ruas não sejam reais.
Acordo com a sensação de já ter escrito - certa sequência de frases que soava em minha cabeça, recuperando passos dados em direção ao bairro vizinho, pensamentos que se misturavam a cada quadra vencida, sons da cidade ao meu redor. Descubro que imaginei ou sonhei. Nada aconteceu - nem a caminhada teve destino, nem as palavras foram escritas.
Avanço sob as árvores, adiando a hora de abrir o guarda-chuva. O céu está cinza e cai uma garoa fina. Passo pelas barraquinhas que vendem o que sempre vendem barraquinhas rua - bolsas, cuias, pôsteres, bijuterias, livros, antiguidades - e não paro para olhar. Na última quadra, nem barracas nem pessoas: a rua está vazia. Não passam carros, e os sons que ouço não se distinguem de qualquer coisa que pode ser só a minha imaginação. De repente, é como se pudesse ouvir com os calcanhares: o som das minhas botas sobre as pedras da calçada é nítido como se a cidade inteira houvesse sido tomada pelo silêncio absoluto. Ouço o meu andar e nada mais.
Virando à esquerda e voltando poucas quadras, estaria na casa de quem leio. Algumas quadras a mais, chegaria ao apartamento de quem ouço. E, se virasse à direita, poderia chegar aonde mora quem julgo amar. Ler, ouvir, amar. Verbos solitários e silenciosos. E em nenhum desses lugares, no entanto, eu poderia entrar. Faltariam as palavras para explicar e, em quaisquer circunstâncias, jamais seria o meu lugar.
Continuo andando e conforme avanço sou capaz de ouvir os carros que correm pela avenida em frente. O silêncio deixou de existir, mas não o abandono. Há, nas esquinas, resquícios do que um dia foi uma cidade. Em cada passo que deixo na calçada, resquícios do que fui ficam para trás. As janelas estão fechadas e os prédios parecem desabitados. Jardins de que ninguém mais cuida, portões enferrujados, pedras soltas. De quanto tempo precisamos para ter a aparência dessas fachadas?
Sigo pensando em voltar. Sempre em frente, e algo lá atrás que insiste: vire o rosto. Eu viro. E volto. E me deixo estar nesse espaço que não é nem uma coisa nem outra, nem presente nem passado. Onde vozes que há tempo não estão mais aqui ainda se fazem ouvir. Onde a espera pelo impossível parece uma escolha viável e até sensata. Do meio-fio, contemplo o asfalto. Esse caráter urbano da solidão que sempre me fascinou, do indivíduo incapaz de encontrar alguém que o escute entre milhões de pessoas, agora assume feições cruéis: é a própria realidade.
Depois do almoço, percorro o mesmo trajeto. Na direção oposta, os detalhes são outros, mas são os mesmos. O mesmo ar de abandono de uma cidade que talvez não exista mais. Minha dor já não se mostra: é seca, constante, pungente, invisível. Silenciosa e solitária, como ler, ouvir, amar. Nenhuma resposta. Nenhum sinal de que o dia que termina será diferente de qualquer outro. Caminho pela cidade vazia e imagino o vazio se prologando para além das ruas, invadindo apartamentos, tomando conta de todos os espaços, de todo o ar.
Vejo meu reflexo em uma poça: personagem de uma cidade inventada. Talvez as ruas por onde passei, que a cada passo tomaram pedaços de mim, não existam de verdade. Alguém imaginou árvores, calçadas, fachadas de prédios e cada um dos meus passos. As frases que pensei ter escrito. O abandono da cidade e o que sonho todas as noites. Pensando assim, a dor que sinto não deixará de existir, porque foi escrita. Pensando assim, continuo sendo: invenção dentro de invenção.
Acordo com a sensação de já ter escrito - certa sequência de frases que soava em minha cabeça, recuperando passos dados em direção ao bairro vizinho, pensamentos que se misturavam a cada quadra vencida, sons da cidade ao meu redor. Descubro que imaginei ou sonhei. Nada aconteceu - nem a caminhada teve destino, nem as palavras foram escritas.
Avanço sob as árvores, adiando a hora de abrir o guarda-chuva. O céu está cinza e cai uma garoa fina. Passo pelas barraquinhas que vendem o que sempre vendem barraquinhas rua - bolsas, cuias, pôsteres, bijuterias, livros, antiguidades - e não paro para olhar. Na última quadra, nem barracas nem pessoas: a rua está vazia. Não passam carros, e os sons que ouço não se distinguem de qualquer coisa que pode ser só a minha imaginação. De repente, é como se pudesse ouvir com os calcanhares: o som das minhas botas sobre as pedras da calçada é nítido como se a cidade inteira houvesse sido tomada pelo silêncio absoluto. Ouço o meu andar e nada mais.
Virando à esquerda e voltando poucas quadras, estaria na casa de quem leio. Algumas quadras a mais, chegaria ao apartamento de quem ouço. E, se virasse à direita, poderia chegar aonde mora quem julgo amar. Ler, ouvir, amar. Verbos solitários e silenciosos. E em nenhum desses lugares, no entanto, eu poderia entrar. Faltariam as palavras para explicar e, em quaisquer circunstâncias, jamais seria o meu lugar.
Continuo andando e conforme avanço sou capaz de ouvir os carros que correm pela avenida em frente. O silêncio deixou de existir, mas não o abandono. Há, nas esquinas, resquícios do que um dia foi uma cidade. Em cada passo que deixo na calçada, resquícios do que fui ficam para trás. As janelas estão fechadas e os prédios parecem desabitados. Jardins de que ninguém mais cuida, portões enferrujados, pedras soltas. De quanto tempo precisamos para ter a aparência dessas fachadas?
Sigo pensando em voltar. Sempre em frente, e algo lá atrás que insiste: vire o rosto. Eu viro. E volto. E me deixo estar nesse espaço que não é nem uma coisa nem outra, nem presente nem passado. Onde vozes que há tempo não estão mais aqui ainda se fazem ouvir. Onde a espera pelo impossível parece uma escolha viável e até sensata. Do meio-fio, contemplo o asfalto. Esse caráter urbano da solidão que sempre me fascinou, do indivíduo incapaz de encontrar alguém que o escute entre milhões de pessoas, agora assume feições cruéis: é a própria realidade.
Depois do almoço, percorro o mesmo trajeto. Na direção oposta, os detalhes são outros, mas são os mesmos. O mesmo ar de abandono de uma cidade que talvez não exista mais. Minha dor já não se mostra: é seca, constante, pungente, invisível. Silenciosa e solitária, como ler, ouvir, amar. Nenhuma resposta. Nenhum sinal de que o dia que termina será diferente de qualquer outro. Caminho pela cidade vazia e imagino o vazio se prologando para além das ruas, invadindo apartamentos, tomando conta de todos os espaços, de todo o ar.
Vejo meu reflexo em uma poça: personagem de uma cidade inventada. Talvez as ruas por onde passei, que a cada passo tomaram pedaços de mim, não existam de verdade. Alguém imaginou árvores, calçadas, fachadas de prédios e cada um dos meus passos. As frases que pensei ter escrito. O abandono da cidade e o que sonho todas as noites. Pensando assim, a dor que sinto não deixará de existir, porque foi escrita. Pensando assim, continuo sendo: invenção dentro de invenção.
7 de outubro de 2015
os bastidores
Cedo ou tarde. Não o momento em que se abre uma cortina, deixando ver o espetáculo, mas aquele em que despenca o fundo de palco, revelando os bastidores: num repente, você toma consciência de toda a sordidez da vida.
O copo, usado, estava ali há quatro dias. Uma fina camada de poeira cobria toda a superfície da mesa, à exceção de onde as marcas de dedos denunciavam a tentativa de alcançar o controle remoto. O dia encoberto pela cortina, que só deixava passar o vento e os ruídos distantes de uma outra possibilidade de vida. Na calçada, as pessoas passavam e corriam. No relógio, o tempo era apenas um detalhe. Penso nele, semblante ameno, e em como era tão fácil me ignorar. Minha existência, que não passava de um desvio.
O tempo é arrancado de nós aos pedaços quando queremos vivê-lo; quando não importa que passe, arrasta-se em morosidade. E o sentido da existência - esse que buscamos em vão e inocentemente julgamos encontrar - vai com ele; ora faiscando em segundos invisíveis, ora fragmentado em tardes sem fim.
Se estou aqui hoje, não é por mim. Por ele, tampouco. Há uma força obscura que me mantém - indo, levando, vivendo. Todos os dias quando nos despedimos caminho para casa com a mesma pergunta. Pelo que, por Deus, eu espero?
Às vezes é preciso estar neste lugar. Onde o mundo não é capaz de penetrar, de onde não sai nenhuma notícia ou e-mail. Longe, entre quatro paredes que escondem. Amanhã estaremos lá, de novo. Estarei sorrindo, cumprimentarei com beijos, não sentirei enquanto a noite passa por entre os copos que vêm e vão.
Num instante estou viva; em outro contenho a respiração - para não chamar a atenção, para não estar presente. Se existisse uma forma de desabitar o mundo, nos momentos em que a sensatez não é capaz de dar conta - da vontade de tocar, de se aproximar, de dizer que ninguém mais poderia ocupar dessa forma um pedaço de mim.
No fim, é como Johnny Cash cantando os bastidores da vida: eu me concentro na dor, a única coisa que é real. A agulha abre um buraco, aquela velha picada familiar. Eu tento apagar, mas me lembro de tudo. O que eu me tornei? Todos que conheço vão embora no final. Você poderia ter tudo - meu império de sujeira. Eu vou te decepcionar. Vou fazer com que se machuque. Uso essa coroa de espinhos, sentado em meu trono de mentiras, acompanhado pelos pensamentos que não posso mais controlar. Os sentimentos somem sob as manchas do tempo. Você é outro. Eu ainda estou bem aqui.
Não é preciso dizer em voz alta para existir. E eu morreria para que fosse real.
O tempo é arrancado de nós aos pedaços quando queremos vivê-lo; quando não importa que passe, arrasta-se em morosidade. E o sentido da existência - esse que buscamos em vão e inocentemente julgamos encontrar - vai com ele; ora faiscando em segundos invisíveis, ora fragmentado em tardes sem fim.
Se estou aqui hoje, não é por mim. Por ele, tampouco. Há uma força obscura que me mantém - indo, levando, vivendo. Todos os dias quando nos despedimos caminho para casa com a mesma pergunta. Pelo que, por Deus, eu espero?
Às vezes é preciso estar neste lugar. Onde o mundo não é capaz de penetrar, de onde não sai nenhuma notícia ou e-mail. Longe, entre quatro paredes que escondem. Amanhã estaremos lá, de novo. Estarei sorrindo, cumprimentarei com beijos, não sentirei enquanto a noite passa por entre os copos que vêm e vão.
Num instante estou viva; em outro contenho a respiração - para não chamar a atenção, para não estar presente. Se existisse uma forma de desabitar o mundo, nos momentos em que a sensatez não é capaz de dar conta - da vontade de tocar, de se aproximar, de dizer que ninguém mais poderia ocupar dessa forma um pedaço de mim.
No fim, é como Johnny Cash cantando os bastidores da vida: eu me concentro na dor, a única coisa que é real. A agulha abre um buraco, aquela velha picada familiar. Eu tento apagar, mas me lembro de tudo. O que eu me tornei? Todos que conheço vão embora no final. Você poderia ter tudo - meu império de sujeira. Eu vou te decepcionar. Vou fazer com que se machuque. Uso essa coroa de espinhos, sentado em meu trono de mentiras, acompanhado pelos pensamentos que não posso mais controlar. Os sentimentos somem sob as manchas do tempo. Você é outro. Eu ainda estou bem aqui.
Não é preciso dizer em voz alta para existir. E eu morreria para que fosse real.
2 de agosto de 2015
o fantasma
- Essa semana não dá. E na verdade nem nas próximas porque estou me mudando.
- Pra onde? - é tudo o que consigo verbalizar.
Não faz diferença. E naquela noite sonhei com esse mesmo diálogo. Um convite pendente em uma história pendente - eternamente sombra e assombro. Indo e voltando, como se não fosse nada. Somos inevitáveis.
E eu, que já desconfio da minha capacidade de raciocinar, sento e espero. Por um movimento do ar, pelo encontro com meu fantasma. Numa esperança incorrigível de tentar, de dar à vida tantas chances quantas forem necessárias. De dizer sim.
- Vamos acabar logo com isso.
Em noites de insônia, quando não é possível escapar de si mesmo. Eu penso e imagino e sonho. Uma enxurrada de tudo. Até dormir outra vez. Para acordar e fingir que nada aconteceu.
Queria dizer que não posso mais. Fazer isso comigo mesma enquanto ele sequer se mostra capaz de considerar o que eu sinto. Queria dizer que não mereço isso - mereço alguém digno de mim, digno de ocupar esse lugar em um coração que depois dele não soube amar mais ninguém. Queria dizer que esses anos todos pensei - e se eu dissesse, e se eu tentasse, e se nos encontrássemos agora. Esses anos todos eu pensei em como nos conhecemos no momento errado. Queria dizer que mudei. Que cresci. Que aprendi a ser independente e estou começando a tomar conta da minha vida em cada vez mais aspectos. Queria dizer que queria a companhia dele. Que queria rir de novo. Porque ninguém mais entende o meu senso de humor. Ou as coisas que eu leio e ouço. Só ele foi capaz de ser essa metade torta que de algum modo encaixou em mim. Queria dizer que ficaria feliz em tentar. Em estar lá pra ele outra vez. Queria dizer que sofri como nunca pensei que fosse capaz de sofrer. Mas que isso me fez tão melhor e mais forte. Queria dizer que chorei e ainda choro. Enquanto escrevo. E ouço a voz dele. E o teclado. Queria dizer o que tantas vezes imaginei. Queria dizer que sou tão falha quanto é possível ser e que às vezes também não tenho certeza. Queria dizer as coisas que não sou capaz de escrever.
Talvez o amor tenha se esgotado em alguma curva do caminho. Talvez esteja tão vivo quanto antes e apenas não saiba para onde ir, porque nenhum de nós está perto o suficiente. Eu sento e espero. Por um movimento do ar. Por quanto tempo é possível esperar? Por quanto tempo é possível não mudar?
O alarme toca. Eu não dormi e tampouco posso fingir que nada aconteceu.
- Pra onde? - é tudo o que consigo verbalizar.
Não faz diferença. E naquela noite sonhei com esse mesmo diálogo. Um convite pendente em uma história pendente - eternamente sombra e assombro. Indo e voltando, como se não fosse nada. Somos inevitáveis.
E eu, que já desconfio da minha capacidade de raciocinar, sento e espero. Por um movimento do ar, pelo encontro com meu fantasma. Numa esperança incorrigível de tentar, de dar à vida tantas chances quantas forem necessárias. De dizer sim.
- Vamos acabar logo com isso.
Em noites de insônia, quando não é possível escapar de si mesmo. Eu penso e imagino e sonho. Uma enxurrada de tudo. Até dormir outra vez. Para acordar e fingir que nada aconteceu.
Queria dizer que não posso mais. Fazer isso comigo mesma enquanto ele sequer se mostra capaz de considerar o que eu sinto. Queria dizer que não mereço isso - mereço alguém digno de mim, digno de ocupar esse lugar em um coração que depois dele não soube amar mais ninguém. Queria dizer que esses anos todos pensei - e se eu dissesse, e se eu tentasse, e se nos encontrássemos agora. Esses anos todos eu pensei em como nos conhecemos no momento errado. Queria dizer que mudei. Que cresci. Que aprendi a ser independente e estou começando a tomar conta da minha vida em cada vez mais aspectos. Queria dizer que queria a companhia dele. Que queria rir de novo. Porque ninguém mais entende o meu senso de humor. Ou as coisas que eu leio e ouço. Só ele foi capaz de ser essa metade torta que de algum modo encaixou em mim. Queria dizer que ficaria feliz em tentar. Em estar lá pra ele outra vez. Queria dizer que sofri como nunca pensei que fosse capaz de sofrer. Mas que isso me fez tão melhor e mais forte. Queria dizer que chorei e ainda choro. Enquanto escrevo. E ouço a voz dele. E o teclado. Queria dizer o que tantas vezes imaginei. Queria dizer que sou tão falha quanto é possível ser e que às vezes também não tenho certeza. Queria dizer as coisas que não sou capaz de escrever.
Talvez o amor tenha se esgotado em alguma curva do caminho. Talvez esteja tão vivo quanto antes e apenas não saiba para onde ir, porque nenhum de nós está perto o suficiente. Eu sento e espero. Por um movimento do ar. Por quanto tempo é possível esperar? Por quanto tempo é possível não mudar?
O alarme toca. Eu não dormi e tampouco posso fingir que nada aconteceu.
28 de julho de 2015
as planilhas
Existem umas planilhas que preciso preencher. Elas dizem o que faço com todas as horas dos meus dias. A hora que acordo, o tempo que levo escovando os dentes, os horários de trabalho e de almoço, os minutos de caminhada pelo Bom Fim, as horas que eu gasto lendo e as outras tantas que passo sonhando e dormindo. Essas planilhas são um diário do tempo. De todos os dias, de todos os meses, de todos os anos. Eu deveria ser verdadeira com elas, mas nem sempre é o que acontece. Às vezes eu minto.
Na verdade, minto o tempo todo.
Minto, por exemplo, quando digo que somos amigos. Não sei se ele sabe. Porque não é tão sutil assim, quando você procura todos os dias uma brecha, quando usa as menores oportunidades para apenas estar presente. Ele talvez me veja nesses momentos. Pode ser que pense a respeito ou talvez nem perceba.
Eu tento demais, mais do que seria sensato tentar, e obviamente não consigo nada. E como haveria de conseguir? A vida não é a mesma para nós. Deveria acrescentar em minhas planilhas todos os minutos perdidos pensando no que dizer, em como dizer. Tinha que ser ele a me falar de solidão, do que há de sombrio em nossos dias.
- Tu me chama de querida, mas nunca me senti querida. Na verdade me sinto uma sombra. Invisível para os únicos olhos que eu gostaria que me enxergassem.
Hoje deveria acrescentar duas linhas nas planilhas. Uma para quando ele riu da minha cara e fez com que eu me sentisse nada, outra para as horas de escrever essa história. Tinha que ser ele a tripudiar, a reduzir minha existência a um detalhe qualquer. Tinha que ser ele a causar dor onde há muito nada se fazia sentir.
Outra linha na planilha é reservada para Umberto Eco e "Quase a mesma coisa". Mas ele pode esperar, porque quase a mesma coisa é o que eu sinto há quase dois anos e quase tudo sobre o que escrevo. Quase a mesma coisa quase todos os dias. Como as traduções que em vão tentam traduzir. Se um dia fosse diferente, já não seria a mesma coisa ou quase. Se um dia de fato for diferente, nós também não seremos mais os mesmos.
- Há quanto tempo a gente se conhece?
É uma fantasia que eu afasto com a mesma frequência com que trago de volta. Acordes de violão que silenciam e se repetem. Maldição com nome e rosto, sem hora para sucumbir ou triunfar. Talvez um dia ela não esteja mais aqui. Talvez um dia fiquemos a sós. Talvez um dia olhemos um para o outro e o momento esteja ali, diante de nós.
- Eu não sei como dizer, ou se deveria dizer, mas a verdade é que sou completamente apaixonada por ti desde a primeira vez que te vi. E eu nem sabia teu nome.
Atrás dos meus olhos, a vontade e o medo. Eu deveria correr o risco ou apenas sorrir? As noites de bebedeira, cujo final eu gostaria que fosse diferente, em outro lugar. O mundo é melhor quando ele ri, e quando rimos juntos chego a vislumbrar uma possibilidade de vida. Há mais no silêncio do que eu jamais poderia dizer.
Há quase dois anos não sou capaz de responder as mesmas perguntas, repetidas na esperança de que na repetição venha embutido um rascunho de resposta. O que eu faço com o amor? O que eu faço com isso, seja lá o que for? Ele tampouco me ajuda a responder. Fica lá, vivendo a própria vida, alheio a mim e a tudo o que calo.
Nas planilhas, é tempo morto. Na vida, é silêncio. E eu, que nunca soube falar de amor, sinto cada segundo e cada palavra. Like fucking crazy.
Na verdade, minto o tempo todo.
Minto, por exemplo, quando digo que somos amigos. Não sei se ele sabe. Porque não é tão sutil assim, quando você procura todos os dias uma brecha, quando usa as menores oportunidades para apenas estar presente. Ele talvez me veja nesses momentos. Pode ser que pense a respeito ou talvez nem perceba.
Eu tento demais, mais do que seria sensato tentar, e obviamente não consigo nada. E como haveria de conseguir? A vida não é a mesma para nós. Deveria acrescentar em minhas planilhas todos os minutos perdidos pensando no que dizer, em como dizer. Tinha que ser ele a me falar de solidão, do que há de sombrio em nossos dias.
- Tu me chama de querida, mas nunca me senti querida. Na verdade me sinto uma sombra. Invisível para os únicos olhos que eu gostaria que me enxergassem.
Hoje deveria acrescentar duas linhas nas planilhas. Uma para quando ele riu da minha cara e fez com que eu me sentisse nada, outra para as horas de escrever essa história. Tinha que ser ele a tripudiar, a reduzir minha existência a um detalhe qualquer. Tinha que ser ele a causar dor onde há muito nada se fazia sentir.
Outra linha na planilha é reservada para Umberto Eco e "Quase a mesma coisa". Mas ele pode esperar, porque quase a mesma coisa é o que eu sinto há quase dois anos e quase tudo sobre o que escrevo. Quase a mesma coisa quase todos os dias. Como as traduções que em vão tentam traduzir. Se um dia fosse diferente, já não seria a mesma coisa ou quase. Se um dia de fato for diferente, nós também não seremos mais os mesmos.
- Há quanto tempo a gente se conhece?
É uma fantasia que eu afasto com a mesma frequência com que trago de volta. Acordes de violão que silenciam e se repetem. Maldição com nome e rosto, sem hora para sucumbir ou triunfar. Talvez um dia ela não esteja mais aqui. Talvez um dia fiquemos a sós. Talvez um dia olhemos um para o outro e o momento esteja ali, diante de nós.
- Eu não sei como dizer, ou se deveria dizer, mas a verdade é que sou completamente apaixonada por ti desde a primeira vez que te vi. E eu nem sabia teu nome.
Atrás dos meus olhos, a vontade e o medo. Eu deveria correr o risco ou apenas sorrir? As noites de bebedeira, cujo final eu gostaria que fosse diferente, em outro lugar. O mundo é melhor quando ele ri, e quando rimos juntos chego a vislumbrar uma possibilidade de vida. Há mais no silêncio do que eu jamais poderia dizer.
Há quase dois anos não sou capaz de responder as mesmas perguntas, repetidas na esperança de que na repetição venha embutido um rascunho de resposta. O que eu faço com o amor? O que eu faço com isso, seja lá o que for? Ele tampouco me ajuda a responder. Fica lá, vivendo a própria vida, alheio a mim e a tudo o que calo.
Nas planilhas, é tempo morto. Na vida, é silêncio. E eu, que nunca soube falar de amor, sinto cada segundo e cada palavra. Like fucking crazy.
22 de julho de 2015
sessões noturnas de terapia literária
Não é um sentimento tão incomum, no fim. A gente tende a pensar que encontrou uma espécie de par - alguém com a mesma necessidade, com o mesmo ímpeto -, mas a verdade é que quem sente sente mais ou menos da mesma forma.
O que mais me fascina é não saber de onde vem ou por que existe. É uma força, é uma necessidade - e simplesmente existe. Por que algumas pessoas são assim? O que determina? A gente nasce com isso? Adquire com as vivências e o desenvolvimento da personalidade? Talvez haja uma explicação neurocientífica? A gente bem que tenta, mas nunca sabe.
E daí invetamos teorias, como no mais da vida.
Eu sofro internamente por isso, mas a verdade é que me afastei. Em todos os sentidos. Não tenho mais lido com a mesma frequência e prazer de antes. E quanto a escrever nem se fala. Não faz muito tempo, eu tinha uma vontade tão grande. De seguir, de desenvolver, de dar vazão a isso tudo. E agora as palavras vêm truncadas, como se não estivessem mais em mim.
Às vezes a gente acredita que quer uma coisa e depois percebe que não era bem isso. Às vezes a gente pensa em algo, mas a vida e o tempo vêm com outros caminhos, nos levam por esses outros caminhos. Não é uma derrota ou uma falha. Acontece todos os dias, com todo o mundo.
Tem essa tendência que eu tenho de me autodesacreditar. Sabe? De não confiar na qualidade do que eu faço. De não acreditar que alguém possa realmente se interessar. De pensar que sou uma fraude enganando o mundo quando as coisas dão certo.
Isso de "acreditar em si mesmo" é uma bobagem, né. Tu sabe. Se isso de fato funcionasse e bastasse pra que as coisas "dessem certo", o que seria o mundo?
Sim. Cara. Esse é o problema da vida em geral. As pessoas se levam a sério demais. Elas realmente acreditam que são indispensáveis.
"Você é patético", lembra? Pra lembrar da nossa própria estupidez. É mais ou menos por aí. Algo de que a gente precisa - ou deveria - estar ciente pra não sair distribuindo babaquices pela boca.
Acho que em algum momento já tive essa fantasia. Mas nunca consegui pronunciar. Literalmente: nunca consegui falar em voz alta.
Posso te listar algumas coisas aqui não precisam ser pronunciadas pra existir da forma mais plena possível. O que tu não pode é procurar nos outros palavras que são tuas. Tu sente? Se joga. Ou não. Mas, qualquer que seja a opção, precisa partir de ti.
***
O café acaba, o céu escurece, nós perdemos a noção do tempo. Conversar com o Daniel tinha disso. Sessões de terapia literária ou sessões literárias de terapia, nunca decidimos. Ziggy deitado no chão aos pés dele; especulávamos se gostava de nos ouvir divagar. Quando a vida e o tempo insistiam em nos dizer que era hora de ir, ficava ali, pairando silenciosa no ar entre nós, a vontade de ficar. De estender a noite, o café e as palavras. Mas nunca a pronunciávamos. Porque sabíamos que não era possível, deixávamos que permanecesse - silenciosa, no ar, entre nós. "A Luci deve ter chegado já, deve estar me esperando", ele dizia. "Também preciso ir, tenho umas coisas do trabalho pra organizar", eu respondia. Pagávamos a conta, eu me despedia de um Ziggy feliz, língua de fora e rabo abanando, e seguíamos, à direita e à esquerda. O tempo que não víamos passar era um prenúncio da própria vida. Do curso de palavras invisíveis que deixávamos correr. "Tem certeza que não quer que eu te acompanhe?" Ele perguntava por educação, e sorria cúmplice quando eu negava, porque sabia que caminhar sozinha à noite era das coisas que eu mais gostava na vida. Meus passos seguiam uma uniformidade disforme, cada um tão igual e tão diferente. No silêncio e no escuro, aperto o casaco e penso em nós, que sempre nos encontramos em desencontros. Nossa cumplicidade, nosso silêncio, nossa distância e nossos tempos que nunca são os mesmos. Ao final da noite, restam-nos as palavras. A ele, porque as lê. E a mim, porque, aliadas a minhas mentiras e fantasias, são tudo o que tenho. Segue o baile.
O que mais me fascina é não saber de onde vem ou por que existe. É uma força, é uma necessidade - e simplesmente existe. Por que algumas pessoas são assim? O que determina? A gente nasce com isso? Adquire com as vivências e o desenvolvimento da personalidade? Talvez haja uma explicação neurocientífica? A gente bem que tenta, mas nunca sabe.
E daí invetamos teorias, como no mais da vida.
Eu sofro internamente por isso, mas a verdade é que me afastei. Em todos os sentidos. Não tenho mais lido com a mesma frequência e prazer de antes. E quanto a escrever nem se fala. Não faz muito tempo, eu tinha uma vontade tão grande. De seguir, de desenvolver, de dar vazão a isso tudo. E agora as palavras vêm truncadas, como se não estivessem mais em mim.
Às vezes a gente acredita que quer uma coisa e depois percebe que não era bem isso. Às vezes a gente pensa em algo, mas a vida e o tempo vêm com outros caminhos, nos levam por esses outros caminhos. Não é uma derrota ou uma falha. Acontece todos os dias, com todo o mundo.
Tem essa tendência que eu tenho de me autodesacreditar. Sabe? De não confiar na qualidade do que eu faço. De não acreditar que alguém possa realmente se interessar. De pensar que sou uma fraude enganando o mundo quando as coisas dão certo.
Isso de "acreditar em si mesmo" é uma bobagem, né. Tu sabe. Se isso de fato funcionasse e bastasse pra que as coisas "dessem certo", o que seria o mundo?
Sim. Cara. Esse é o problema da vida em geral. As pessoas se levam a sério demais. Elas realmente acreditam que são indispensáveis.
"Você é patético", lembra? Pra lembrar da nossa própria estupidez. É mais ou menos por aí. Algo de que a gente precisa - ou deveria - estar ciente pra não sair distribuindo babaquices pela boca.
Acho que em algum momento já tive essa fantasia. Mas nunca consegui pronunciar. Literalmente: nunca consegui falar em voz alta.
Posso te listar algumas coisas aqui não precisam ser pronunciadas pra existir da forma mais plena possível. O que tu não pode é procurar nos outros palavras que são tuas. Tu sente? Se joga. Ou não. Mas, qualquer que seja a opção, precisa partir de ti.
***
O café acaba, o céu escurece, nós perdemos a noção do tempo. Conversar com o Daniel tinha disso. Sessões de terapia literária ou sessões literárias de terapia, nunca decidimos. Ziggy deitado no chão aos pés dele; especulávamos se gostava de nos ouvir divagar. Quando a vida e o tempo insistiam em nos dizer que era hora de ir, ficava ali, pairando silenciosa no ar entre nós, a vontade de ficar. De estender a noite, o café e as palavras. Mas nunca a pronunciávamos. Porque sabíamos que não era possível, deixávamos que permanecesse - silenciosa, no ar, entre nós. "A Luci deve ter chegado já, deve estar me esperando", ele dizia. "Também preciso ir, tenho umas coisas do trabalho pra organizar", eu respondia. Pagávamos a conta, eu me despedia de um Ziggy feliz, língua de fora e rabo abanando, e seguíamos, à direita e à esquerda. O tempo que não víamos passar era um prenúncio da própria vida. Do curso de palavras invisíveis que deixávamos correr. "Tem certeza que não quer que eu te acompanhe?" Ele perguntava por educação, e sorria cúmplice quando eu negava, porque sabia que caminhar sozinha à noite era das coisas que eu mais gostava na vida. Meus passos seguiam uma uniformidade disforme, cada um tão igual e tão diferente. No silêncio e no escuro, aperto o casaco e penso em nós, que sempre nos encontramos em desencontros. Nossa cumplicidade, nosso silêncio, nossa distância e nossos tempos que nunca são os mesmos. Ao final da noite, restam-nos as palavras. A ele, porque as lê. E a mim, porque, aliadas a minhas mentiras e fantasias, são tudo o que tenho. Segue o baile.
28 de maio de 2015
a chuva
Não necessariamente significa algo, mas é essa sensação. De que existe algo ali dizendo mais. Nos silêncios. Nas ausências.
Respiramos, e tudo se esvai. Fica a chuva, que às vezes parece não ter fim.
Não quis me acompanhar na volta, não se preocupou em ouvir quando tive vontade de falar, não me procura quando tem o que dizer. E quando houve, afinal? Nada do que podemos dizer jamais será nosso, e tudo o que podemos dizer deixa de existir no momento em que falamos.
Houve um dia em que vivemos em uma realidade paralela, sentados na mureta do jardim de inverno enquanto os faróis dos carros carregavam a noite em duas direções. Se o tempo tivesse passado a nosso favor, estaríamos em Madri, caminhando ao passo do sol, e minhas palavras não passariam de um borrão na parede.
De longe, procura meus olhos.
Olha pra mim.
Rimos de nossa própria desgraça. No fim, é só a solidão.
Por dentro quero gritar, quebrar os vasos de flores que nunca estiveram sobre a mesa, atirar vidro na parede só pelo prazer de ver os pedaços caírem, perder o fôlego de raiva, puxar os cabelos até sentir outro tipo de dor.
Você já experimentou o silêncio? Tem gosto de praia vazia no inverno.
Não olhe pra mim. Releve minha existência. Me desconsidere de tudo.
Ser invisível não é um desejo fortuito, curiosidade de ouvir a conversa alheia na cozinha ou espiar os vizinhos durante a noite. É mais um sussurro – de quem é visível mas jamais visto. De ser somente no que cala. De existir e morrer em cada linha.
Todas as vezes que chegamos, e todas as outras, quando partimos, e o vento e a chuva que balançam as árvores e encharcam tudo na rua. Só algo em mim que continua igual. Impregnado do que a chuva não é capaz de lavar e o vento não é capaz de levar.
A chuva que segue, insistente, incessante. Há certa tranquilidade em pensar no que se tem certeza de que termina.
Respiramos, e tudo se esvai. Fica a chuva, que às vezes parece não ter fim.
Não quis me acompanhar na volta, não se preocupou em ouvir quando tive vontade de falar, não me procura quando tem o que dizer. E quando houve, afinal? Nada do que podemos dizer jamais será nosso, e tudo o que podemos dizer deixa de existir no momento em que falamos.
Houve um dia em que vivemos em uma realidade paralela, sentados na mureta do jardim de inverno enquanto os faróis dos carros carregavam a noite em duas direções. Se o tempo tivesse passado a nosso favor, estaríamos em Madri, caminhando ao passo do sol, e minhas palavras não passariam de um borrão na parede.
De longe, procura meus olhos.
Olha pra mim.
Rimos de nossa própria desgraça. No fim, é só a solidão.
Por dentro quero gritar, quebrar os vasos de flores que nunca estiveram sobre a mesa, atirar vidro na parede só pelo prazer de ver os pedaços caírem, perder o fôlego de raiva, puxar os cabelos até sentir outro tipo de dor.
Você já experimentou o silêncio? Tem gosto de praia vazia no inverno.
Não olhe pra mim. Releve minha existência. Me desconsidere de tudo.
Ser invisível não é um desejo fortuito, curiosidade de ouvir a conversa alheia na cozinha ou espiar os vizinhos durante a noite. É mais um sussurro – de quem é visível mas jamais visto. De ser somente no que cala. De existir e morrer em cada linha.
Todas as vezes que chegamos, e todas as outras, quando partimos, e o vento e a chuva que balançam as árvores e encharcam tudo na rua. Só algo em mim que continua igual. Impregnado do que a chuva não é capaz de lavar e o vento não é capaz de levar.
A chuva que segue, insistente, incessante. Há certa tranquilidade em pensar no que se tem certeza de que termina.
16 de maio de 2015
deus
Se eu acreditasse em Deus, diria que ele não vale nada. Diria que ele é um de nós jogando The Sims, se divertindo com tudo o que pode inventar.
Antes de sair, eu já não queria ir. Antes de começar, já sabia que não começaria jamais. Isso de prever desfechos não funciona, a gente nunca sabe, tem uma voz que diz. A tentativa de não tentar matar uma história antes do fim do primeiro parágrafo. Uma pena eu viver disso - escrever e apagar. Reformular. E mesmo nos melhores textos ainda encontrar erros ou frases mal pensadas.
Como eu sei? Eu nunca sei - eu apenas sinto. E quando eu não sinto dificilmente a vida me faz me sentir; nada há de sair de onde nunca existiu coisa alguma. Nada a dizer que já não tenha sido dito. Nada a escrever que já não tenha sido escrito. Tantas vezes, por tantas pessoas, em tantos mundos e idiomas, e agora por mim. De novo. Numa eterna repetição de palavras e fracassos.
- Vamos tomar um café?
E por que não? Café é das melhores coisas da vida, nada de ruim pode vir de um café. Não há melhor forma de começar ou terminar qualquer coisa do que com um café. Começar o dia, terminar o almoço, começar uma história, terminar outra. Se não outra coisa, seria, ao menos, um bom café em um dia de outono.
Na rua, o fim da tarde já escurecera o dia. No ônibus, janelas fechadas e muitas pessoas respirando. No mundo, muitas pessoas respirando. Acendo um cigarro. Time takes a cigarette. Tiro o casaco e, quando entro, ele já está lá.
A conversa flui aos solavancos, carros em uma estrada não pavimentada, não sabendo bem por onde ir. Ele comenta sobre minha timidez. Tenho vontade de virar os olhos, mas em vez disso dou outro gole no café. Deixa rolar. Uma noite inteira como uma espécie de prova. Você é capaz de passar por isso? É capaz de sobreviver e parecer uma pessoa normal? Deixa rolar. Beijos de café e cerveja. Lembro de um dos primeiros encontros com meu ex, quando vimos em uma mesa próxima um casal terminar o relacionamento. Começo e fim, lado a lado. Agora, devia estar na cara para todos ao redor que estávamos ali nos conhecendo: a falta de intimidade e o desconforto estampados na minha testa. Deixa rolar. Mais beijos, mais cerveja. Eu bebi mais e mais rápido. O que seria de mim sem um copo na mão. Deixa rolar. Deixa rolar.
Tudo o que eu tenho é o meu amor, e amar é não amar. Todos os rostos de todos os anos se misturam como se tentassem dizer: é sempre igual. Começos, meios e fins, saindo do mesmo ponto e chegando ao mesmo lugar. A minha falta de fé em tudo. Em absolutamente tudo.
Voltei para casa com a mesma sensação com que havia saído. Ele não tinha nada de errado, mas não poderia ser ele porque ele, para mim, é outro. Em algum lugar não muito longe, quem eu amo está amando e sendo amado. Sinto meus olhos apertarem, beirando lágrimas, talvez pedindo por elas. Às vezes é preciso chorar. Para ter consciência de si. E lembrar que as coisas sentidas sempre encontram uma forma de sair.
Uma forma de expressão. I'm busting up my brains for the words. Mas, se meus olhos não vieram ao mundo para brilhar diante da vida, tampouco servem para as lágrimas. Gosto deles embalados pelo vinho, cantando David Bowie.
No lugar de Deus, estaria me divertido horrores. Mas eu não acredito em Deus.
Antes de sair, eu já não queria ir. Antes de começar, já sabia que não começaria jamais. Isso de prever desfechos não funciona, a gente nunca sabe, tem uma voz que diz. A tentativa de não tentar matar uma história antes do fim do primeiro parágrafo. Uma pena eu viver disso - escrever e apagar. Reformular. E mesmo nos melhores textos ainda encontrar erros ou frases mal pensadas.
Como eu sei? Eu nunca sei - eu apenas sinto. E quando eu não sinto dificilmente a vida me faz me sentir; nada há de sair de onde nunca existiu coisa alguma. Nada a dizer que já não tenha sido dito. Nada a escrever que já não tenha sido escrito. Tantas vezes, por tantas pessoas, em tantos mundos e idiomas, e agora por mim. De novo. Numa eterna repetição de palavras e fracassos.
- Vamos tomar um café?
E por que não? Café é das melhores coisas da vida, nada de ruim pode vir de um café. Não há melhor forma de começar ou terminar qualquer coisa do que com um café. Começar o dia, terminar o almoço, começar uma história, terminar outra. Se não outra coisa, seria, ao menos, um bom café em um dia de outono.
Na rua, o fim da tarde já escurecera o dia. No ônibus, janelas fechadas e muitas pessoas respirando. No mundo, muitas pessoas respirando. Acendo um cigarro. Time takes a cigarette. Tiro o casaco e, quando entro, ele já está lá.
A conversa flui aos solavancos, carros em uma estrada não pavimentada, não sabendo bem por onde ir. Ele comenta sobre minha timidez. Tenho vontade de virar os olhos, mas em vez disso dou outro gole no café. Deixa rolar. Uma noite inteira como uma espécie de prova. Você é capaz de passar por isso? É capaz de sobreviver e parecer uma pessoa normal? Deixa rolar. Beijos de café e cerveja. Lembro de um dos primeiros encontros com meu ex, quando vimos em uma mesa próxima um casal terminar o relacionamento. Começo e fim, lado a lado. Agora, devia estar na cara para todos ao redor que estávamos ali nos conhecendo: a falta de intimidade e o desconforto estampados na minha testa. Deixa rolar. Mais beijos, mais cerveja. Eu bebi mais e mais rápido. O que seria de mim sem um copo na mão. Deixa rolar. Deixa rolar.
Tudo o que eu tenho é o meu amor, e amar é não amar. Todos os rostos de todos os anos se misturam como se tentassem dizer: é sempre igual. Começos, meios e fins, saindo do mesmo ponto e chegando ao mesmo lugar. A minha falta de fé em tudo. Em absolutamente tudo.
Voltei para casa com a mesma sensação com que havia saído. Ele não tinha nada de errado, mas não poderia ser ele porque ele, para mim, é outro. Em algum lugar não muito longe, quem eu amo está amando e sendo amado. Sinto meus olhos apertarem, beirando lágrimas, talvez pedindo por elas. Às vezes é preciso chorar. Para ter consciência de si. E lembrar que as coisas sentidas sempre encontram uma forma de sair.
Uma forma de expressão. I'm busting up my brains for the words. Mas, se meus olhos não vieram ao mundo para brilhar diante da vida, tampouco servem para as lágrimas. Gosto deles embalados pelo vinho, cantando David Bowie.
No lugar de Deus, estaria me divertido horrores. Mas eu não acredito em Deus.
21 de abril de 2015
o universo
Aconteceu no elevador, quando nossas mãos se tocaram.
Aconteceu numa noite qualquer, quando um olhar cúmplice sob a luz do poste soube de tudo por nós.
Aconteceu numa manhã de inverno, quando colorimos de café o dia cinza.
Aconteceu de longe, aconteceu de perto. Aconteceu tantas vezes que era como se não houvesse acontecido.
Cara a cara.
Nossos olhos alinhados como espelhos um do outro.
No silêncio do universo, o que você ouve?
A música vem de outro planeta e canta a vida que há lá. Sem tempo para contar, longe demais para pensar - em tudo o que nos mantém aqui, em tudo o que faz de nós o que somos. A imagem no espelho, nunca a vi de verdade. O estranho que me encara e me acompanha, quem é? Ele canta e foge, e eu escuto para fugir. O mais perto que sempre estarei.
Aconteceu numa noite qualquer, quando um olhar cúmplice sob a luz do poste soube de tudo por nós.
Aconteceu numa manhã de inverno, quando colorimos de café o dia cinza.
Aconteceu de longe, aconteceu de perto. Aconteceu tantas vezes que era como se não houvesse acontecido.
Cara a cara.
Nossos olhos alinhados como espelhos um do outro.
No silêncio do universo, o que você ouve?
A música vem de outro planeta e canta a vida que há lá. Sem tempo para contar, longe demais para pensar - em tudo o que nos mantém aqui, em tudo o que faz de nós o que somos. A imagem no espelho, nunca a vi de verdade. O estranho que me encara e me acompanha, quem é? Ele canta e foge, e eu escuto para fugir. O mais perto que sempre estarei.
Vistos de cima, somos linhas paralelas.
Pontos que se cruzam sem jamais se encontrar.
Nada aconteceu.
No elevador, quando não nos percebemos como nada além do que somos.
Nas noites, quando é só o som da mesma música, de novo e de novo, lembrando que somos uma mentira.
Nas manhãs, quando o café tem o mesmo gosto e os dias, a mesma cor.
Nunca acontecemos.
O tempo todo não estamos em lugar nenhum.
Pontos que se cruzam sem jamais se encontrar.
Nada aconteceu.
No elevador, quando não nos percebemos como nada além do que somos.
Nas noites, quando é só o som da mesma música, de novo e de novo, lembrando que somos uma mentira.
Nas manhãs, quando o café tem o mesmo gosto e os dias, a mesma cor.
Nunca acontecemos.
O tempo todo não estamos em lugar nenhum.
Você escreve o universo que vive ou vive o universo que escreve?
20 de fevereiro de 2015
todas as horas de todos os dias
the noise that you hear in your head is just the song
you know all the words and you know where they belong
soledad, vengo llamando a tu puerta desde hace un tiempo
in another world of sleep where someone warm was always there
just like I will always be and nothing's changed at all
te traigo mis cicatrices, palabras sobre papel pentagramado
so I fill every dream with the wish I'll see you soon
and though it may seem unreal it will come true
me encontrarás en cada cosa que he callado
when you wake up everything will be as in a song
ya he dejado que se empañe la ilusión de que vivir es indoloro
As linhas, os sons; as palavras, letras e sinais. E já se vão uns anos de quando alguém bateu à porta e eu não soube o que dizer. Foi então que, agora, anos idos mas ainda sem saber dizer, fui eu a bater à porta. Boas anfitriãs, veio a resposta, são capazes de falar pelos convidados.
Me falta, começou dizendo, essa habilidade que não está nas gramáticas.
Eu conheço as palavras. Brincamos juntas - desde o primeiro lápis, o primeiro caderno e as vogais em letra cursiva. Sempre e tanto, vestidas em fascínio, todas as combinações e sons e ritmos sobre papel pentagramado. As vírgulas que pausam e as que separam, travessões para introduzir - e pontos finais, que tudo acaba e é preciso saber encerrar. Ao mesmo tempo infinitas possibilidades e infinitas restrições. Nem dragões nem moinhos pelo caminho; o caminho, apenas: chão conhecido, jamais assustador.
O que me falta, em escrever, é uma habilidade anterior ao próprio escrever.
Me falta saber falar. Ser capaz de expressar, nas palavras escritas, uma voz que grita dentro sem nunca encontrar a saída. Fazer isso que fazem as músicas. E dizer que o que eu sinto é amor, é platônico, é ilusão, é raiva em silêncio, é sonho e fantasia. Mas como, uma vez perguntaram, como não sonhar? Tu não pode viver uma vida sem sonhos, sem sonhar acordada enquanto o mundo continua sendo mu(n)do. De todas as pessoas, tu - a única que não pode não sonhar. E os anos pelos quais as palavras ressoaram são os mesmos anos que hoje não existem mais - e os sonhos agora são tantos que se afogam todos os dias.
Mas não há com que se preocupar, querida. Nenhuma de nós guarda ilusões.
Existe uma música que toca. Que, em contínuo, diz tudo o que sempre será preciso saber. Em todas as horas de todos os dias de todos os anos, a única verdade possível. E para ouvir é melhor fazer silêncio. Presta atenção no que eu não digo, pois que os silêncios aqui dizem mais que as palavras, e é em todas as coisas que calo, em todas as horas de todos os dias, que sempre vou estar.
4 de fevereiro de 2015
tempo que se opõe ao tempo
Imagino se chega determinado ponto da vida em que percebemos já ter feito tudo. Considerando a possibilidade de fazer tudo; tudo o que se julga necessário ou importante. E então nesse momento entende-se enfim que não há mais o que fazer aqui, não há mais por que estar, e a morte deixa de ser algo ruim.
Do alto do meu prédio, posso ver o seu. Posso ver o céu, apagado pelas lâmpadas de todas as janelas. Posso ver as janelas e as vidas dentro delas. Posso imaginar um rosto, semblante embaçado pela memória que engana. Posso imaginar movimentos no interior de um apartamento que não conheço. Ouvir música, preparar a janta, ler qualquer coisa. Ou talvez nada disso: talvez se deixar estar na sacada fumando, pensar em como se livrar de tudo.
O que há na altura e nessa sensação de imensidão que tão fascinantes? Bêbada de infinito e solidão, qualquer cidade é a mesma cidade, e você vê a insignificância.
Posso imaginar as mãos e tudo o que se opõe ao tempo. O tempo que se opõe ao tempo. Essa insistência vã de vencê-lo - que consome, arde e se esvai em horas perdidas. E leva junto os sonhos que não se tornaram realidade, as histórias para sonhar, os trens que nunca deixaram estação nenhuma e alcançaram lugar algum.
Os irmãos sono e insônia, tanto e por tanto tempo que começo a questionar se de fato acordo algum momento. Se a vida como a vivemos é uma ilusão, o sonho de alguém que dorme, então qualquer realidade é possível - qualquer realidade é fantasia. Sentados lado a lado, nossos braços se encostam, nossos rostos estão tão próximos e as risadas são tão altas que é quase possível acreditar. Meu rosto no seu ombro quando me escondo para rir, sua mão no meu braço e os segundos em que tudo é verdade.
Todos os dias os sons, todos os dias as caminhadas vazias. Passos descompassados, e onde estarão os seus enquanto os meus cruzam a rua. Essa distância, pequena e intransponível. Seria mais fácil voltar sem pensar na volta se não fôssemos nada. Mas agora todas as conversas que nunca teremos soam e se repetem e voltam em uma fantasia boba, insciente da própria fantasiez. Seria mais fácil voltar se um de nós não existisse.
Tempo que se opõe ao tempo. No silêncio, amor natimorto.
Do alto do meu prédio, posso ver o seu. Posso ver o céu, apagado pelas lâmpadas de todas as janelas. Posso ver as janelas e as vidas dentro delas. Posso imaginar um rosto, semblante embaçado pela memória que engana. Posso imaginar movimentos no interior de um apartamento que não conheço. Ouvir música, preparar a janta, ler qualquer coisa. Ou talvez nada disso: talvez se deixar estar na sacada fumando, pensar em como se livrar de tudo.
O que há na altura e nessa sensação de imensidão que tão fascinantes? Bêbada de infinito e solidão, qualquer cidade é a mesma cidade, e você vê a insignificância.
Posso imaginar as mãos e tudo o que se opõe ao tempo. O tempo que se opõe ao tempo. Essa insistência vã de vencê-lo - que consome, arde e se esvai em horas perdidas. E leva junto os sonhos que não se tornaram realidade, as histórias para sonhar, os trens que nunca deixaram estação nenhuma e alcançaram lugar algum.
Os irmãos sono e insônia, tanto e por tanto tempo que começo a questionar se de fato acordo algum momento. Se a vida como a vivemos é uma ilusão, o sonho de alguém que dorme, então qualquer realidade é possível - qualquer realidade é fantasia. Sentados lado a lado, nossos braços se encostam, nossos rostos estão tão próximos e as risadas são tão altas que é quase possível acreditar. Meu rosto no seu ombro quando me escondo para rir, sua mão no meu braço e os segundos em que tudo é verdade.
Todos os dias os sons, todos os dias as caminhadas vazias. Passos descompassados, e onde estarão os seus enquanto os meus cruzam a rua. Essa distância, pequena e intransponível. Seria mais fácil voltar sem pensar na volta se não fôssemos nada. Mas agora todas as conversas que nunca teremos soam e se repetem e voltam em uma fantasia boba, insciente da própria fantasiez. Seria mais fácil voltar se um de nós não existisse.
Tempo que se opõe ao tempo. No silêncio, amor natimorto.
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