tag:blogger.com,1999:blog-70223856857862835632023-11-15T14:24:23.243-03:004:36~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.comBlogger125125tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-30939012961421312672019-11-13T16:51:00.002-03:002019-11-13T16:51:42.446-03:00uma dessas feministas<br />
- Tu não é uma daquelas feministas, é?<br />
- Sou, sou uma daquelas.<br />
<br />
Nada de particular sobre aquela manhã em Porto Alegre. O filtro de caridade branca que envolvia o dia. Nos primeiros dias de março, o verão ainda queimava.<br />
<br />
Minha regata vermelha, a camiseta cinza dele do New Order, nossos all stars - meu all star azul combina com o seu preto de cano alto. Não era de cano alto. Éramos jovens até demais.<br />
<br />
Mas a lembrança não é do calor. A pele retém sensações, mas não consciências. O calor, a dor, um toque, a chuva. Para lembrar, sempre é preciso sentir tudo de novo.<br />
<br />
O que teria mudado se eu tivesse dado essa resposta?<br />
<br />
Sim, sou uma dessas feministas.<br />
<br />
***<br />
<br />
A Venâncio como sempre, feita céu e carros que a gente não vê.<br />
<br />
Às vezes me perco. Começo e quando vejo não sei como cheguei até ali. Nunca tinha reparado nessa fachada. Como as pessoas conseguem andar mexendo no celular? Por que não é possível esperar? Com que atenção se responde qualquer coisa desse jeito? Atenção. Será que a gente ainda é capaz de algum tipo de atenção? A qualquer coisa.<br />
<br />
Colégio Militar, João Pessoa, Lima e Silva. Dobramos.<br />
<br />
- Uma vez a mãe da minha ex ligou. Disse que tava no hospital, que a Luísa tinha tentado se matar. Tava puta comigo.<br />
- Quê?<br />
- É.<br />
- Sério isso?<br />
- Sim. Mas né, ela tinha uns problemas.<br />
- Ah tá.<br />
- Oh, é aqui.<br />
<br />
Ela devia ter algum problema.<br />
<br />
É o que nos fazem acreditar. E contam assim, como quem fala das piadas ruins no almoço de família.<br />
<br />
Louca. Exagerada. Emotiva. Sentimental. Não entendeu direito. <i>Sensível demais.</i><br />
<br />
Entende?<br />
<br />
***<br />
<br />
Azul e cinza se intercalam, dia um dia outro. Tem os carros que passam no fundo, a sirene de uma ambulância, pássaros, uma obra no prédio vizinho. Vozes sem rosto e rostos sem voz.<br />
<br />
Nunca mais te vi e nem quero.<br />
<br />
Todo esse futuro pela frente e não saber o que fazer com ele. A gente sempre encontra jeitos de matar o tempo. E desculpas para não encará-lo. Até o dia em que ficam apenas os arrependimentos - tu vê, o tempo passou.<br />
<br />
O medo é essa sombra sem forma.<br />
<br />
Enquanto tudo parece ter uma sequência e todos parecem ter um plano. O que eu sou? Quem eu devo ser no mundo, agora que não sou mais quem era?<br />
<br />
Outro dia percebi: eu não entendia direito, na época. Ainda não era uma dessas, feministas.~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-67703973197000513802019-09-29T17:36:00.001-03:002019-09-29T17:42:26.562-03:00as roupas secaram<div>
<br /></div>
<div>
<div class="MsoNormal">
Penduro as roupas recém lavadas no varal. Mais roupas do que
o espaço permite. Minha mãe diz que assim vou acabar estragando a máquina de
lavar. Porque boto coisas demais ali dentro. Mas a máquina tá ali há dez anos e
continua funcionando. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E o varal não arrebentou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Dentro de mim cresce um grito. Que escapa às vezes em sonho:
a janela ficou aberta, entraram em casa, um cachorro parado à porta do quarto,
quando levanto e me aproximo ele foge, tem mais medo de mim do que eu dele, mas
porque grito, e o assusto, ele reage, e me ataca. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Seria uma metáfora?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Não sinto mais tua falta – tenho vontade de dizer – tudo o
que podia acontecer entre nós já aconteceu. Não sobrou nada, e o resto é só
complicação. Respostas que não quero mais dar porque me obrigam a lembrar que
não sou quem gostaria de ser. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;">O amor é só demência e
confusão.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Se é. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O silêncio agora tem horários. Não terminei a mala. Não apertei
o parafuso solto da porta do banheiro. Comprei bananas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Lembrei do Samuel, que tá na Nova Zelândia. Disseram que
ele vem agora. Em algum momento desse mês. Ou no começo do próximo? Foi só uma
noite. Beijos numa pista lotada. Escorados na parede suja. O chão grudando de
cerveja derramada. Nossos corpos colados, pernas e braços que se moviam como se
quiséssemos subir um no outro. O volume entre as pernas dele querendo escapar
das calças. Depois nos perdemos no meio das pessoas. Ele chegou a pegar meu
celular. Trocamos umas mensagens. E poucos dias depois ele viajou. Agora vem de
novo, não sei por quanto tempo. Também não sei quase nada sobre ele. Mas sairia
de novo nem que fosse só por mais um beijo daqueles. Desses que a gente ainda
sente nos lábios no dia seguinte.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Dormentes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Extasiados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Por que pensar nisso agora?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tudo o que me chega à cabeça em uma noite de insônia. Com o
mesmo objetivo: adiar a realidade. Mas já são quatro da manhã, acordei cinco
vezes, virei na cama a noite inteira, pesadelo atrás de pesadelo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Penso na gente nas escadas da Borges. Escorados ali, tomando
uma cerveja. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Tu vai voltar comigo dessa vez?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Vou. Nunca entendi por que não fui da última, pra ser
sincera.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Nem eu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Acho que eu não faço muito sentido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Melhor assim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Olhamos para um céu sem estrelas. É uma noite de nuvens,
como o será o dia de amanhã. Subimos as escadas e pegamos à direita. Juntos,
rumo ao desconhecido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Acordo e não tenho vontade de levantar. Eu nunca tenho
vontade de levantar. Como se escondida do dia na penumbra do quarto pudesse
manter ali também minhas angústias. Bobagem. Preciso tomar banho e varrer o chão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Abro meu caderno, anoto pensamentos aleatórios. Os sonhos estranhos que tenho. Levanto as cortinas da cozinha, coloco música, corto alho e cebola. Gosto do cheiro de alho que fica nos dedos. Depois passo um café
e olho pela janela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Parece que as roupas secaram.<o:p></o:p></div>
</div>
~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-56091230611657306522019-09-18T17:00:00.003-03:002019-09-28T16:25:18.260-03:00ninguém vê nada<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Meia hora se passou sem que eu dissesse uma palavra.
Ela estava esperando, contudo. Por algo. Um sinal. Um começo. Um ruído
qualquer. Um fio de história que ela pudesse puxar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Nada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Não tenho mais o que dizer. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Meus olhos encaram o vazio. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Tenho vontade de rasgar o fluxo do tempo e desfazer
todas essas distorções. Calar todas as bocas. Interromper todos os pensamentos
e o curso de uma vida que não é a vida certa. Que mundo é esse em que todas as
distopias parecem plausíveis?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Elenco desgraças desejáveis e assisto aos absurdos que
desfilam ao meu redor. Não tenho ânimo de me insurgir contra nenhum deles. Ela
esperava mais de mim. Ela sabe que eu poderia mudar tudo por nós duas e por
isso a mágoa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Por que você não faz nada? – me pergunta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Eu não sei.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">As ondas do tempo explodem, os dias se repetem, um
segundo substitui o outro. Estamos em um carrossel ou em uma roda-gigante –
qualquer coisa que gira sem sair do lugar. O mundo passa diante de nós e do
alto podemos ver o horizonte. A borda de um buraco negro é chamada de horizonte
de eventos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Desço e caminho, mas por mais que eu ande há sempre um
limite, uma barreira que não consigo ultrapassar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Sozinha eu não vou conseguir – digo a ela.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Você sabe que não pode contar com mais ninguém – ela
retruca – somos só nós.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Eu sei.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Não é exatamente estar sozinha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Quando no fim da tarde o céu muda de cor, as primeiras
estrelas despontam para nos lembrar: o que vemos não existe mais. Olhar para o
céu à noite é enxergar o passado. De frente, nos olhos. São as estrelas os
olhos do passado. Outros mundos foram possíveis, outros mundos ainda serão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Já não falo com mais ninguém. Desapareço todos os
dias: em meio a uma vida que não é minha, em meio a palavras que não são
minhas. Meu é o silêncio, minha é a solidão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Até onde vamos com isso? – pergunto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Ela sabe, mas não responde. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Qualquer que seja o final, o carregamos conosco desde
o começo. Trazemos a morte no peito no momento em que viemos à vida. Eu só
queria mais tempo para conversar. Para descobrir os mundos que se perdem em
reuniões, séries, mensagens virtuais e vídeos efêmeros. Um dia para exibir um
fragmento inútil de vida. Somos feitos de fragmentos e assim nos apresentamos
ao mundo. Ninguém vê nada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Sete bilhões de pessoas. Todas paridas por uma mulher.
Na rua, a vida segue – à margem de tudo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Vai ser assim até o fim.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-74227202244265703762019-08-09T16:35:00.000-03:002019-08-09T16:35:04.007-03:00bilhetes<br />
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
Me pergunto se ele soube fazer ela
feliz. Se deixou de ser o disco arranhado que eu ouvi por tanto tempo. Minha
vida é uma bosta, odeio minha cidade, odeio meu trabalho, odeio a faculdade,
odeio meus colegas, odeio meus professores. Nada tem sentido, todos são medíocres,
ninguém entende como o que eu faço e penso é excepcional.<br />
<br />
Uma vez a mãe dele me
ligou. Nunca soube que cara ela tem. Mas me ligou uma
noite. Ele tá aí contigo? Não.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
O tempo nunca se esconde.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
Nunca esteve, de fato. Adotou minha
casa como dele, mas nunca esteve comigo. Tinha uma escova de dente no meu
banheiro e roupas no meu armário, mas nunca foi sério. O amor existia, mas
o abismo que nos separava na maneira de viver e sentir, a discrepância de
expectativas – foi demais para duas pessoas que mal sabiam cuidar de si
próprias. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
Quando levei ele até o portão no
domingo de tarde e me despedi, meu corpo soube. Não vamos nos ver outra vez. Atravessei o corredor de volta até minha porta, os passos levando para dentro a certeza: não caminharíamos juntos de novo. E aquilo
tudo ficaria comigo – roupas, escova de dente, gilete, os bilhetes que ele
escondia pela casa para que um dia eu encontrasse.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
A vida está onde a gente menos
espera.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
Seis anos passam. Tu ainda mora
no mesmo prédio? Tá em casa? A mensagem que eu vejo e respondo umas duas ou
três horas depois. Tava naquele bar mais pra baixo na rua e pensei em passar
pra dar um oi.</div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
Era pra ser natural. Foi uma
vontade que eu tive na hora. Só isso. Se não acontece naturalmente, melhor que
nem aconteça. <i><o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
Claro. Eu entendo. Pode pensar em
passar pra dar um oi sempre que estiver naturalmente bêbado nos bares da minha rua. Naturalmente estarei aqui pra te receber.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
O silêncio às vezes deve ser
compartilhado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
Nossas histórias podem não contar a verdade,
mas nunca serão falsas. Carregam frações do tempo. Sensações que ficaram do que
já passou. </div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
Réstias de memória que insistem em não se perder: um cigarro
roubado, panquecas em um restaurante temático, o jeito dele de abraçar
segurando as mangas do blusão na ponta dos dedos, o sorriso que sempre dizia esse é o melhor lugar do mundo.<br />
<br />
Todos os livros do mundo. Um
brinde a não saber há quanto tempo estamos juntos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
A imaginação não é um presente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 70.9pt;">
<br /></div>
~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-88670662892528933672019-07-21T15:20:00.000-03:002019-08-09T16:41:27.220-03:00tudo o que é dito de outra maneira<br />
Como a gente fazia pra viver quando ainda existia realidade?<br />
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Acordo e o vejo dormindo ao meu lado. Fazia uma semana que
não nos falávamos. Na véspera ele me mandou uma mensagem: abre pra mim? Sabia
que eu estava em casa. Puxei o portão e ele ficou um tempo ali parado, me olhando. Nós dois em silêncio sob a luz laranja de um poste, os galhos de um
ipê, as estrelas de um céu que tanto amávamos observar em silêncio. Exatamente
como naquele instante. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Olhar nos olhos de alguém é o mesmo que olhar para o céu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Dei um passo atrás pra ele passar. Girei a chave de volta.
Entramos. Sentou apoiando a cabeça nas mãos. Os cabelos escorrendo pelos lados.
Puxei uma das mãos dele na minha direção. Não foi culpa de ninguém. Basta
seguir vivendo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Desenvolvemos essa linguagem, toda baseada em olhares e mãos
que se buscavam ou se evitavam. Conversas inteiras acontecem assim. E eu amo
isso em nós. Tudo o que é dito de outra maneira.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele abre os olhos devagar e sorri esticando os braços. Ainda
no meio do sono. Cara de travesseiro. Quer um café? A gente pode ficar lendo na
cama? A gente deve. Manhã preguiçosa. Uma vez me disseram que não pode haver
intimidade maior do que ler. Duas pessoas em silêncio, cada uma em um mundo à
parte e ao mesmo tempo juntas.<o:p></o:p><br />
<br />
Lemos. Não precisamos de mais.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Eu me canso primeiro. Fecho o livro e largo na mesinha ao
lado da cama. Fico sentada por um momento, incapaz de decidir se quero levantar
ou deitar de novo. Ele levanta o braço. Como se abrisse um portal. Um convite a si próprio. Deito no
colo dele e durmo de novo, entre um beijo e a mão que acaricia meus cabelos. <o:p></o:p><br />
<br />
Ele continua lendo.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quero acreditar que existe uma realidade pra nós.<o:p></o:p></div>
<br />~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-80768008730669381482019-07-12T23:47:00.001-03:002019-07-12T23:47:53.467-03:00o que escrevi sobre nós<br />
<div class="MsoNormal">
Enquanto a água escorre pelo café em pó e atravessa o tecido
do filtro para preencher a caneca. Todas as manhãs. O céu mais próximo ou mais
distante. De todas as coisas que fazemos sempre, o café é das que não perdem o
sentido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Há três meses eu escrevia sobre nós, patinando nas palavras.
Gosto de perceber as mudanças. Da maneira como construo as frases aos pontos
que o sol já não alcança aos novos ramos que brotam dos vasos. De qualquer
maneira, a vida segue. A qualquer custo, a vida segue. Lenta e inelutavelmente.
Sempre segue. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Na vida, quando estamos frente a frente, vem de dentro algo
que nos prende. Um qualquer medo de alguma coisa, uma vergonha não se sabe bem
que de quê. Na vida, quando estamos frente a frente, as perguntas não são
feitas. A vida sozinha não liberta as interrogações que nos acompanham.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas aqui é diferente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Olho para a caneca vazia. É mais relógio do que esse que
trago em volta do pulso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Não sei se a melhor pergunta é o que tu tá olhando ou o
que tu tá pensando.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Pode perguntar as duas, ué.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E as respostas são diferentes?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não sei. Tu acha que quando a gente olha pra uma coisa e
pensa em outra na verdade vemos aquilo que pensamos?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Pode ser. Pode ser o contrário também: às vezes a gente tá
pensando em algo e de repente vê alguma coisa e aí começa a pensar nessa outra
coisa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Ou a gente pensa exatamente naquilo que tá vendo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Também. O que a gente pensa determina o que a gente vê,
então?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Talvez. Mas não literalmente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Literalmente eu não vejo nada direito, vejo um monte de
borrões e imagens não definidas. E aí?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Talvez tu pense desse jeito também.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Vou considerar um elogio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Teu rosto não é só um rosto. Muitas pessoas são só um rosto.
A maioria delas. Mas o teu é mais do que isso. O tempo todo sei que tu pensa em
algo além daquilo que consigo ver quando olho pra ti. Teu rosto é vista.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
São desvios quase invisíveis, mas o rio corre, e o que escrevi
sobre nós há três meses já são palavras mortas. Se as lemos, não somos nós.
Quando as lemos, já somos outros. Não é só a passagem do tempo, mas os
sedimentos que ele carrega. O que segue e o que vai ficando pelo caminho. O que
chega a nós a partir do alheio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Venho aqui todos os dias e parece sempre igual, mas sou
outra a cada vez que tu me olha.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não mudo à revelia desses olhos, porque eles me mudam
também.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Cada vez que tu me olha, esse olhar se torna parte da
pessoa que me torno.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quantos olhares já trocamos? Quanto de mim foi contigo e
quanto de ti veio comigo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Sou feita também dos teus olhares.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Se depender do tempo, o que escrevo sobre nós nunca será verdadeiro.
Ou será para sempre, congelado em instantes que não voltarão a existir. O tempo
leva as palavras. Amanhã mesmo, o que diremos?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Nossos olhos guardam e transmitem as palavras que não
ousamos pronunciar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quero te dizer tudo com os olhos. Quero ler nos teus olhos o
que tu escreve sobre nós.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-20068897051956833032019-06-29T15:46:00.000-03:002019-06-29T15:46:26.809-03:00uma história feita para ser reescrita<br />
<div class="MsoNormal">
- Não. Eu acredito que almas ou mentes ou energias
semelhantes, como tu quiser chamar, que vibram numa frequência parecida e
funcionam no mundo de um jeito parecido, se encontram e se reconhecem. E aí
pode ser qualquer coisa. Uma amizade, uma parceria profissional, alguém que te
inspira, uma pessoa que tu conhece numa viagem e nunca mais vê de novo. Qualquer coisa. A gente que tem essa necessidade de dar nome.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Estávamos sentados no banco do lado de fora. Difícil saber
pelo que esperávamos. Pássaros trocavam de galho acima de nossas cabeças e as
folhas das árvores sob o sol desenhavam padrões que gostávamos de assistir na
calçada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Eles mudam sempre.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Tudo sempre muda.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Conto pra ele do último cara do Tinder com quem saí. Formado
em Arquitetura, fazendo mestrado. Gostava de ler também. Fomos num bar da
Cidade Baixa. Era ok pra conversar. Foi uma noite boa. Era o segundo com quem
eu tentava, mas sei lá, acho que não vai pra frente também. Por que não?, ele
perguntou. Qual o problema.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- O problema – eu digo – é que nenhum deles é tu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
As sombras continuam mudando. O vento varre a calçada e as
folhas que já caíram dançam com ele. Ele levanta e estende a mão pra mim. O
tempo passou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Vem, vamos entrar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Te fiz dizer as palavras que eu mais gostaria de pronunciar.
Ou talvez quisesse ouvi-las ainda mais do que falar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Achei que teríamos tempo. Aquele era o único domingo em que
as coisas poderiam acontecer e eu achei que teríamos tempo. De sentir a
presença um do outro. Entender a pessoa enquanto ela fala e gesticula à nossa
frente. Olhar nos olhos que se buscam e ao mesmo tempo se desviam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Gosto de sentir o tempo passar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não olhando para o relógio ou esperando por alguma coisa.
Percebendo as sombras e as cores do dia mudarem. Pouco a pouco. Enquanto nós
permanecemos estáticos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Estáticos, mas vivos?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não sei se precisam ser coisas opostas. Acho que existem
certos momentos especiais na vida em que podemos ser estáticos e vivos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E nesses momentos nos enchemos de universo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Me diz, então: qual de nós encontrou o outro primeiro?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Houve um tempo antes de nascermos. E houve o tempo em que estávamos
vivos sem saber da existência do outro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Será que algum dia estivemos no mesmo lugar sem saber?
Será que te vi em um dos bares? Ou passei por ti na rua?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Teria sido diferente?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não sei. Teria?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E isso importa, agora?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Importa. Porque pra mim não interessa uma versão de
existência em que estamos juntos sem poder estar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quis saber o que eu faria, nesse caso. Eu reescreveria toda
essa história.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Inventamos o que não existe. Vem comigo.<o:p></o:p></div>
<br />~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-24064023270958499042019-06-20T21:37:00.000-03:002019-06-20T21:40:33.954-03:00o que não existe a gente inventa<br />
<div class="MsoNormal">
Passo as mãos pelo rosto depois de chorar e sinto a pele tão
lisa e macia quanto jamais esteve. As lágrimas lavam, literalmente. E é como se
levassem com elas as imperfeições e marcas do tempo. Depois de chorar,
recomeçamos.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Da ordem do previsível: a maior parte do tempo. O caminho
até o trabalho, o horário do almoço, a ida ao supermercado, a sessão de
terapia, a aula de francês, academia, regar as plantas, almoço de família no
domingo, passear com o cachorro, leitura no fim da noite. Conhecemos tanto do
futuro antes de vivê-lo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Da ordem do imprevisível: os detalhes. Janelas em formato de
arco, o desenho no verso da placa, o lambe colado no poste, galhos que
invadiram a calçada, as luzes que agora iluminam a sacada do terceiro prédio à
esquerda. Um ou outro acontecimento que nos derruba. A ausência inesperada. As
palavras que eu não poderia ter previsto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O futuro também pode ser implacável.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Vivemos tudo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Habita na superfície do que acaba certa espera vã pela
continuidade. A interrupção abrupta deixa o mundo em suspenso. Foi apenas um
imprevisto, um desvio breve. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Amanhã abrirei essas mesmas portas e tudo estará como sempre
foi. Como era quando nos despedimos ontem. Chega mais cedo amanhã, pra gente
retomar. Beleza, vou chegar. Vê se descansa, bons sonhos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Um banco sob uma árvore no verde a perder de vista. O sol. O
céu. Nuvens rabiscando o azul.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Que lugar é esse? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Ué, achei que tu quisesse vir pra cá.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Eu queria, mas não sei que lugar é. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Tu é maluca. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Gostei daqui. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Gostei também. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- A gente pode ficar, então? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mas foi tu que nos trouxe pra cá. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Quando?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Ontem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mas tu tem hora pra voltar?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Eu não. Tu tem?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Agora não mais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E quando chega sem aviso a gente congela. “Não”. Foi tudo o
que eu consegui dizer. Não, não, não. Não é verdade. Para de dizer isso. Não é
verdade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Minha reação exatamente igual à da última vez que ouvira
aquelas palavras, sete anos antes. Andando de um lado para o outro sem saber
que direção tomar e sentindo crescer por dentro a dor da realidade que em palavras
eu ainda queria negar. Não. Não. Não.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Até sentar e chorar. Por todo o tempo que deveríamos ter
passado juntos naquela noite. Em todas as outras. Foi um problema em casa, só
isso. Amanhã vai estar tudo bem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Talvez essa ausência seja o mais próximo que conseguimos
experimentar em vida do conceito de eternidade. Uma ausência eterna, vazio que permanece.
O espaço vago que dói e dura – para sempre, enquanto estivermos aqui.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A mesma eternidade que cabe dentro de cada segundo. Nos
olhos que agora só vejo quando fecho os meus. Nas palavras que
compartilhamos na vigília e nos sonhos de cada um.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Era pra ter sido muito mais. Ou foi exatamente tudo o que
poderia ter sido?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- E agora? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- A vida segue. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Queria que seguisse contigo aqui.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Finge que eu tô aí. Tu sabe o que eu diria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Sei. Sei de um monte de coisas que tu diria. Mas não é a
mesma coisa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Diz pra ti mesma. Prometo que vou estar falando nesses momentos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Isso não existe.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- O que não existe a gente inventa.<o:p></o:p></div>
<br />~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-36760153469823557302019-06-09T19:57:00.000-03:002019-06-09T19:57:49.941-03:00às vezes<div>
<br /></div>
<div>
<div class="MsoNormal">
Às vezes é preciso buscar. Às vezes no caminho de volta para
casa. Às vezes durante o expediente ou olhando pela janela do ônibus. Antes de
dormir. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Dificilmente envolve sexo. Nem mesmo beijos. É mais uma
cumplicidade. Almas que se reconhecem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Caminhamos juntos, olhando para a copa das árvores acima de
nós. Conversamos. Rimos um com o outro. Discutimos livros e escritos. Sentamos
lado a lado, nossas mãos em um carinho leve. Ou de costas um para o outro,
escoro mútuo. Lemos. Andamos na beira da praia, os pés na água. Olhamos o mar.
Sentimos o vento. Somos o vento. Céu e sal. Pegamos um ônibus. Acordo primeiro
e vejo ele dormir. Volto a dormir em seguida. Ou o contrário. Ele levanta e
passa o café. Sentamos na varanda para beber. O dia nos enche. Gostamos do
cinza.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Às vezes quando ele vira o rosto ao me ver e finge que não
estou ali. Às vezes quando sorri sem jeito. Às vezes quando me conta uma
história qualquer. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
É o mundo dele. E é o meu. E os dois se encontram e dão
origem a esse algo indefinido que não sabemos bem onde colocar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- O que a gente é? – ele me pergunta, olhando para frente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Eu não sei. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- E o que a gente faz com isso? – eu pergunto, olhando para
ele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele também não sabe. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E continua olhando em outra direção. Quando ele busca meus
olhos, sou eu quem desvio. Nossos mundos implodiriam nesse encontro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Às vezes quando entro no chuveiro e fecho os olhos e inclino
a cabeça para a frente e sinto a água caindo sobre os meus ombros. Às vezes ao
acordar de um sonho. Às vezes esperando as plantas absorverem a água. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O prazer de se sentir insignificante diante do mar. A vida é
aqui, embora não haja tempo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Somos infinitos – e existimos sempre como potencialidade de
tudo o que não fomos e não seremos. Eu sinto, ou quero imaginar que sinto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O universo em nós. Viagem com a alma. A água que nos cerca,
nos envolve, nos preenche. A essência da existência em três parágrafos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Me deixa chegar mais perto. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Às vezes folheando as páginas de um livro. Às vezes passando
os olhos pelas palavras que já escrevi. Às vezes quando sou obrigada aceitar
que nada disso é real.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Todas as vezes.<o:p></o:p><br />
<br /></div>
</div>
~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-46192546570449860602019-06-02T17:00:00.000-03:002019-06-03T23:16:15.980-03:00me acorda da realidade<br />
<div class="MsoNormal">
Um cenário épico e um guarda-chuva bem grande. Era o que
dizia no rótulo da cerveja. De tão alto, o mundo é um lugar que vale a pena. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Um brinde às almas que vagam sozinhas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Do alto de uma montanha. Onde
mais eu poderia estar?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Foi uma dessas cenas improváveis. Não era para a conversa
ter acontecido – e de repente ela se desenrolou, bem diante de nós. Não dava pra
enxergar o céu. Poderiam ser oito da manhã ou oito da noite. Lembro de tentar
abrir uma janela e não conseguir. Quando voltei, ele sorria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Gosto das coisas que não são evidentes, que exigem mais do
olhar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- <i style="mso-bidi-font-style: normal;">É preciso haver
esforço</i>.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Olha, reconheço essa referência.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Prestou atenção na leitura, então.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Sempre presto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Eu sei, eu sei.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- É por isso que contigo é tão difícil?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- O quê?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Porque precisa ter esforço.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não tô te entendendo. O que que é difícil comigo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Tu entendeu, sim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Tá, entendi. Mas tu sabe que não é por isso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Eu não sei de nada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Já te expliquei.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não sei se acredito em ti.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Por que tu não acreditaria em mim?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Porque tu nunca me diz as coisas de verdade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E tu por acaso perguntou de novo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Eu não tinha perguntado de novo, pensei enquanto sentia o
primeiro gole da cerveja. Comprada no mercado do peixe. Na banca de um meio
português, meio brasileiro. Era bom falar a minha língua.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Queres mais alguma coisa? Talvez um peixe para o almoço?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não, obrigada. Mas eu volto amanhã, com certeza.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Serás muito bem-vinda!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não é preciso sorrir para ter um rosto sorridente. Como o do
Pedro, que me vendeu a cerveja. Um rosto que sorri por si e por isso faz a
gente lembrar. Me fez lembrar. Dos dias de abrir aquela porta e encontrar o
rosto que também era sorriso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Nem sempre olhava pra mim. Nem sempre podíamos ou
conseguíamos falar. Às vezes sentia os olhos às minhas costas. Ou imaginava
sentir. E de um jeito ou de outro permanecia o rosto. A despeito de qualquer
circunstância.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Eu nunca tinha perguntado de novo. Por quê?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O tempo vai curar tudo. Mas e se o tempo for a doença? Não
sei, Wim. Não sei. Vendo tudo de tão longe a vida tem ainda menos sentido.
Gaivotas sobrevoam o mar acima dos barcos atracados. Uma nuvem baixa se
aproxima da cidade ao pé da montanha. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Eu queria estar contigo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Digo em voz alta, como se ele pudesse me ouvir. Onde
estaria? Com quem? Será que eventualmente ainda pensava em mim? Eu poderia
perguntar. Mas há tempo não dissemos nada. Foi preciso atravessar o mundo para
tentar apagar o que descobri fazer parte de mim: a lembrança daquele sorriso. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Carregamos memórias e palavras no bolso, como uma chave ou
moedas recebidas de troco.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Meus óculos embaçam. Ele ri.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Pelo amor de deus, vamos pra rua.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Vamos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sentamos no banquinho do lado de fora. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Vou sentir tua falta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Eu volto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E se não voltar?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- A gente se acha de novo em outro lugar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Pedro estava lá no dia seguinte também. Voltei para almoçar,
como disse que voltaria. Repeti a cerveja. A gente tem isso de repetir sensações.
Principalmente as que nos fazem voltar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Comi na beira do mar e fiquei por ali. Duas imensidões
cinzas que quase eram uma só. Não é o lugar, é a ausência.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Queres mais uma? – ouço os passos do Pedro às minhas
costas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Se tu dividir comigo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não tens de pedir outra vez.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Me acorda, eu digo. Estás sonhando? Sonho. É muita
realidade lá fora pra gente não sonhar de vez em quando. Como posso te acordar,
então? Me acorda da realidade.<o:p></o:p></div>
<br />~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-19565413222840056422019-05-24T22:55:00.000-03:002019-05-28T23:16:49.459-03:00gestos invisíveis<br />
<div class="MsoNormal">
<i>O horror de saber que a vida é verdadeira.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Escreveu Fernando. Seria essa uma forma de vida após a
morte? – quando já não somos nem estamos mas nossas palavras permanecem?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br />
Sento em um café
para ler o jornal e sou um, à tarde escrevendo na varanda já sou outro e à
noite, na solidão de uma taça de vinho, um terceiro. O rio que corre. Nem nós
permanecemos nem a água. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>É a mesma
água, e nunca é a mesma. Somos a mesma pessoa, e nunca somos os mesmos.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Depois de abraços e despedidas, as portas do ônibus fecharam
no fim da tarde. O horário de verão já tinha acabado, logo escureceu. Ele
perguntou se podia ocupar o lugar do meu lado. Claro, senta aí. Puxei a mochila
para o meu colo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Seu espaço, meu
espaço. Naquele dia, por instinto ou desatenção, tinha esquecido de baixar o apoio de braço que divide as poltronas. Ele sentou, largou a mochila no chão entre as pernas e
reclinou a poltrona, à altura da minha. Falamos sobre as
conversas do dia, amenidades em geral, o que seria do resto da semana.<br />
<br />
Esperávamos alguma coisa da vida ou só o fim daquela viagem?<br />
<br />
A dada altura silenciamos, vencidos pelo cansaço e pelo embalar do ônibus. De olhos fechados, querendo dormir, sinto o toque na mão.<br />
<br />
Abro os olhos e num reflexo encolho o braço. Foi sem querer? Vou relaxando de novo aos poucos. Ou eu imaginei? Devagar, retorno a mão à
posição inicial, estendida sobre a poltrona. Eu já não estava totalmente acordada, pode ter
sido um toque acidental. Quando decido que não foi nada – de novo.<br />
<br />
Meu coração vem à boca, e eu congelo na poltrona. Ele não
recolhe a mão, eu não recolho a minha.<br />
<br />
Nenhuma palavra, nenhum movimento. Por quanto tempo? Não sei dizer. E então o impulso a que decidi ceder, colocando minha mão sobre a dele, buscando com os meus dedos os espaços entre os dedos dele. Ele aceita, nossas mãos se encaixam, e entre uma dança de dedos e outra viro o rosto na
direção dele. Ele olha para mim. Não nos enxergamos, mas sabemos que
nossos olhos se encontram no escuro.<br />
<i><br /></i>
<i>O alívio de saber que a vida é verdadeira.</i></div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<br />
<br />
Foi um jeito de dizer: eu sinto também.<br />
<br />
Tanta facilidade a nossa de imaginar o que existe e o que não existe. E, no entanto, o que
agora sabíamos que existia continuou não existindo de fato. Somos reais quando
existimos em silêncio?</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Olhos que se olharam sem se ver. Aqueles dois de mãos dadas no escuro não vieram conosco rumo à luz de outro dia. Existimos no tato, mas não sobrevivemos no mundo. O que sentimos é verdade quando sentimos cegos e mudos?<br />
<i style="font-family: "times new roman";"><br /></i>
<i style="font-family: "times new roman";">O horror e o alívio de saber que a vida é temporária.</i><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<br />
<br />
No dia seguinte não houve dia anterior.<br />
<br />
- Tudo bem, é temporário.<br />
- Como assim é temporário?<br />
- Sentir é temporário.<br />
<i style="font-family: "times new roman";"><br /></i>
<i style="font-family: "times new roman";">A vida é temporária e nós somos feitos de gestos invisíveis.</i></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-stroke-width: 0px; color: black; font-family: "Times New Roman"; font-size: medium; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; font-weight: 400; letter-spacing: normal; orphans: 2; text-align: start; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 2; word-spacing: 0px;">
<div style="font-style: normal; margin: 0px;">
<br /></div>
</div>
~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-27567855451075425952019-05-15T21:09:00.002-03:002019-05-15T21:27:45.718-03:00o instante em que perdemos as palavras<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt;"><br /></span>
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt;">Entrei na sala e dei de cara com ele. Era alto demais
para a mesa que ocupava, as pernas espremidas na parte de baixo. Não sabia se era
visita, funcionário novo, entrevistado. Ficou me olhando, quiçá com a mesma
dúvida. Soltei um oi tímido e passei por ele para chegar ao armário no fundo
da sala. Nenhum dos dois cogitou se apresentar.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt;"><br /></span>
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt;">- O pessoal tá precisando de uma caixa dessas lá
embaixo.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt;"><br /></span>
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt;">Essa pessoa é legal, lembro de ter pensado ao fechar a
porta atrás de mim e chamar o elevador. Se ficar, a gente vai se dar bem.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt;"><br /></span>
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt;">Não é sempre, claro. Mas há casos. Pessoas que
despertam esse instinto que no resto do tempo a gente nem sabe que tem. No
segundo em que as vemos – antes de ouvir a voz, antes de saber o nome. Só uma
sensação. De que estamos diante de alguém que divide algo conosco. Talvez a
maneira de funcionar no mundo, de absorver a vida, de sentir tudo isso.</span><br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">***<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Tu é muito parecido com o Jesse Eisenberg. Alguém já
te disse isso?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Sim! Minha irmã!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Saímos do elevador e, na rua, descobrimos que fazíamos
o mesmo caminho de volta. Éramos vizinhos de bairro, poucas quadras separavam
nossos prédios. Quantas vezes já não teria encontrado com ele no Zaffari sem
saber quem era? Parados no mesmo lugar: olhando o preço das cervejas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Começamos a dividir aquele caminho. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Quase todos os dias: quinze ou vinte minutos em que
vivíamos as mesmas pequenas doses de vida. Caronas de guarda-chuva. Paradas na praça para fumar. Difícil dizer em que momento aquelas amenidades e papos de
elevador se tornaram confidências. Risadas mais frequentes que antes de
percebermos acabavam em um bar. Conversas que, de repente, só éramos capazes de
ter um com o outro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Normalmente a vida acontece quando não esperamos. Olha
aqui, ela diz: alguém parecido contigo. Alguém com quem se identificar. Um
encontro de almas perdidas cuja essência divide a mesma raiz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">***<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Eu queria muito outro cigarro. Tu não tem aí, por
acaso?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Pior que não. Mas aquela mulher talvez tenha –
indico a outra mesa com o rosto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Olhamos pra ela. O maço ao lado do copo e da garrafa,
largado tão displicente sobre o logo descascado da Skol. Vários cigarros ali.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Eu não tenho coragem de pedir.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Nem eu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Rimos os dois.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- A gente é igual, meu deus – ele diz, ainda rindo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Mas tenho em casa, pelo menos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Bah, a gente podia passar ali na volta, então, né?
Tu não te importa?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Capaz, vamos lá!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Fechamos a conta e saímos a pé. Tinha isso também.
Nossos caminhos, que gostávamos de percorrer a pé. Nenhum dos dois tinha carro.
Nenhum dos dois fazia questão de ter um carro. Nenhum dos dois era do tipo que
chama um Uber quando pode caminhar. Mesmo à noite. Mesmo em uma cidade como
Porto Alegre.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Mesmo sozinhos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">***<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Para o coração a vida é simples: ele bate
o quanto puder. E então para. </span></i><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Ele fecha o livro e
coloca de volta sobre a mesa, admirado com a abertura.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Não sei se a morte é algo que me faz sofrer, sabe?
Pra mim é algo que acontece.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- É, acho que eu encaro um pouco assim também. Uma
parte da vida que a gente sabe que um dia vai chegar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Claro, tu nunca quer nem espera que aconteça, muito
menos com as pessoas que tu ama.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Mas é parte do processo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">- Exato. Inclusive, ou principalmente, pra quem fica.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Acendemos o segundo cigarro, abrimos a segunda cerveja.
Cada um jogado para trás em uma ponta do mesmo sofá de onde agora escrevo.
Falamos sobre morte, sobre amar, sobre incertezas e o que fazer da vida, sobre
nossa necessidade de isolamento, tempo e distância mesmo das pessoas de quem
mais gostávamos. Sobre os caminhos que haviam nos levado até aquele momento,
que hoje pode ser só uma projeção da memória. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">O ápice da cumplicidade a que uma amizade poderia
chegar: não era mais preciso falar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">***<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Até que aconteceu: a vida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">***<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">O tempo jorra, se espalha ao mesmo tempo em que
desvanece. Somos tragados, sempre. Começa com uma semana atribulada, mais
compromissos que o normal, às vezes coincide de tudo se concentrar no mesmo
período. A semana passa e surge uma viagem. Férias. Reuniões fora do estado. Um
congresso em outro país. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Estamos parados e o mundo gira. Damos um passo e
giramos com ele. Abrimos os olhos, e aquela semana foi há dois anos. Colocamos
em duas horas as conversas de um ano inteiro. Tu soube que vou me mudar? E a entrevista,
como foi? </span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt;">Mais uma semana, mais um ano.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">***<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Ele passa por mim, levanta as sobrancelhas e sorri sem
graça. Sem saber o que dizer. Sem saber me cumprimentar. O tempo. Correndo
indiferente entre tentativas vãs de um desespero estúpido e unilateral. Quando não há mais nem perguntas nem respostas. </span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 16px;">Nos perdemos no instante em que perdemos as palavras.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;"><br /></span>
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Uma
definição de dor: não é preciso dizer nada porque perdemos ao mesmo tempo a
capacidade de dizer e a de não dizer.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Eram
os desencontros da vida que, embora não caibam no coração, o alimentam imprescindivelmente.
<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Já há algum tempo, nada mais cabe aqui.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-67183977029965889112019-05-10T21:53:00.001-03:002019-05-12T17:52:07.756-03:00não é óbvio<br />
<div class="MsoNormal">
O óbvio não é evidente.<br />
<br />
O que procuramos determina o que é óbvio – o que queremos ver, muito menos do que o que está à nossa frente.
E o que vemos e queremos ver depende de algo tão impreciso quanto um desejo. O abismo do caos.
Nada é o que parece ser. Nada é o que é de verdade.<br />
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A gente tem essas conversas como se fosse algo palpável,
mensurável. Como se fosse possível determinar sentimentos a partir de uma
escolha de palavras ou de um conjunto de ações banais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não é assim, eu digo pra ela. Porque a pessoa disse A então
ela quer B. Isso não existe. Talvez às vezes até seja o caso, mas a menos que a
criatura te diga com todas as letras não tem como inferir desse jeito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas não adianta. Na prática, a gente vê o que quer. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quando ele foi embora, guardei algumas coisas no fundo dos
armários e das gavetas, onde meus olhos não alcançassem. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O que os olhos não veem o coração não sente</i>. Nunca um ditado brega
fez tanto sentido. É a mesma lógica. A gente escolhe não ver pra não sentir,
mas quando queremos sentir vemos qualquer coisa. Inclusive o que não está ali. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Porque nós não deixamos as coisas claras uns para os
outros eu nunca vou entender. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Ah, por medo. Medo de falar, medo de ser rejeitado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mas não faz sentido. Quer dizer, antes de falar tu já vive
na rejeição – ela só não foi verbalizada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Pois é.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- As pessoas têm medo de palavras, então. De ouvir. Isso é uma
estupidez.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não necessariamente das palavras, mas do que elas vão te
fazer sentir.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mas aí que tá – tu já sente isso. Tu já tá nessa situação.
Antes de ouvir uma rejeição, tu já não é nada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
As coisas precisam ser ditas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tenho isso, às vezes, de pensar na vida como um mapa. Uma
cartografia de existências. Cada um deixa atrás de si uma linha
pontilhada de idas e vindas, encontros, paradas, saltos e quedas. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tantas linhas passam perto uma da outra, sem chegar a se cruzar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
As pessoas com quem não esbarramos na calçada. A colega para
quem você pensou em dizer “não sei, tem alguma coisa em ti que eu gosto, acho
que a gente se daria bem”. O idoso que sentou ao seu lado no ônibus e que teria
gostado de te contar uma história se você não estivesse de fones de ouvido. A
mensagem que não mandamos. A pessoa para quem não dissemos oi. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
As linhas passam perto – bastava olhar para o lado –
mas não se cruzam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E outras tantas se encontram sem seguir juntas. Podem andar lado a lado por um tempo e ali adiante voltam a se separar. Existe
pelas pessoas que não chegamos a conhecer certa nostalgia do não vivido, mas as
que conhecemos e perdemos – talvez entre elas vivam nossas tristezas
mais profundas. Tudo o que poderia ter sido e não foi.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Linhas que se separam. Jardins que se bifurcam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br />
- O que tu vê, afinal?</div>
<div class="MsoNormal">
- Eu vejo o medo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O medo de falar demais e o medo de não dizer nada. O medo de
deixar o tempo passar. O medo de não perceber que estava ali o tempo todo – só você
não viu. O medo de que a sincronia deixe de existir e em breve estejamos de
novo em tempos diferentes. O medo de olhar nos olhos e dizer: é isso que eu
quero.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não é óbvio?<o:p></o:p></div>
<br />~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-79535666849410757132019-05-04T17:13:00.000-03:002019-05-04T17:25:33.005-03:00amar em poucas palavras<br />
<div class="MsoNormal">
- Ele fica melhor em ti do que em mim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Um blusão velho, desses que a gente já bateu e agora só usa
em casa. Marrom com listras brancas, as mangas já um pouco arregaçadas. Fez
mais frio do que o previsto, e o casaco que eu tinha pensado levar ficou jogado
sobre o sofá da sala.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Até gosto mais dele agora. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Nos abraçamos no pátio na frente da casa e ficamos ali,
olhando para o céu, deitados sobre o tapete velho que estendemos na grama. É
preciso fugir da claridade para ver – para realmente ver.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Por que a gente nunca fez isso antes?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Boa pergunta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Talvez o mais impressionante fosse o silêncio. A dimensão
que era capaz de alcançar. Não entre nós, porque nunca precisamos dizer muito
um para o outro, mas ao nosso redor. Sempre existe algum ruído – passos e vozes
dos outros apartamentos, os carros que passam na rua, um helicóptero
sobrevoando a cidade, o telefone, portas e janelas sendo abertas e fechadas, o
elevador, as notificações no celular que mesmo silenciosas trazem o mundo a
nós. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas não o mundo que naquele momento tínhamos diante dos olhos,
em volta de nossos corpos – dentro de nós. Um mundo de escuridão e silêncio que nos envolvia em
estrelas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
*** <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Escolhe uma música.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Estávamos ouvindo Echo and The Bunnymen no meu quarto.
Adiando o almoço, vivendo a preguiça dos domingos nublados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">- <i>Nothing lasts
forever.<o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">- BAH.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">- Que foi?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
- Escolha estranha pra um casal que acabou de começar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Dou uma risada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Tu é supersticioso assim? As coisas duram o que têm que
durar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Anos depois ele escreve uma música: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">no love should last until it ends</i>. Nenhum amor deveria durar até o
fim. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">- Tava na parada e o cara perguntou pra onde eu tava indo, a pinta era muito estranha. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">I’m going to my girlfriend’s</i><span style="mso-bidi-font-style: normal;">, eu disse pra ele</span>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">- Girlfriend?<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">- É, ué.
Não é? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br />
***<br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Cada mísero diálogo da nossa vida juntos. Construídos a partir
de uma simplicidade hoje quase impossível de alcançar. Fiquei com o pote dos
sabonetes, onde agora guardo colares.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Amar em poucas palavras talvez seja o melhor jeito de amar.
Amar sem precisar dizer.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Poderíamos ter mudado a vida um do outro. Mas não mudamos. Porque
o mundo é grande demais e a vida é um piscar de olhos.<o:p></o:p></div>
<br />~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-21963970913897375862019-04-27T14:29:00.002-03:002019-04-27T14:33:03.669-03:00lá, não sinto tua falta<br />
<div class="MsoNormal">
<div class="MsoNormal">
Sempre me imagino ainda mais longe. A distância elimina os
vínculos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sobre mim uma arvorezinha que cresceu em um cômoro, mais ou menos a meio caminho entre a rua e a praia. O vento
traz o mar até mim. Aqui, um não existe sem o outro. Meu coração vai com eles:
sai do peito e segue, suave. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quando não encontramos respostas, construímos falsas
certezas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Desculpa, eu não sei o que fazer.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Qualquer um de nós poderia dizer isso. Ficamos sozinhos na
mesa, os últimos colegas nos abanam do caixa. Decidimos tomar mais uma. Os dois
querendo a mesma coisa, sabendo que não vai acontecer. Fabricando minutos para
estender a noite na tentativa de que o desfecho seja diferente. Mas já sabemos
como termina. O garçom deixa a garrafa a se afasta. Sirvo os nossos copos.
Brindamos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Me diz o que tu pensa. Sobre tudo. Sobre
qualquer coisa. Sobre como é o mundo em que nós somos capazes de dialogar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sei que é possível construir esse mundo juntando todas as
coisas que não dizemos, todos os pedaços de frases pelo caminho. Talvez não
fosse muito diferente deste, afinal.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Se fosse para escolher um momento para compartilhar contigo,
seria esse – o prazer de se sentir insignificante diante do mar. Tu não
percebeu que foi o que eu tentei o tempo todo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Escrevo no computador. Uso a caneta para os sonhos,
devaneios, desabafos. Meus cadernos levam o fundo da minha alma. A essência de
tudo que sou, sem qualquer tipo de filtro. Nenhuma ficção. </i><span style="mso-bidi-font-style: normal;">Uma gota de ficção mancha tudo de ficção.</span> <i>Sempre penso que quero escrever
sobre os livros que leio, mas nunca escrevo. Vou lendo um depois do outro.
Chegava em casa e tentava escrever e depois ler um pouco. Depois de um tempo
decidi intercalar, porque não consigo fazer as duas coisas na mesma noite,
escrever e ler. Claro que consigo, mas sempre com a sensação de não ter feito
bem ou o suficiente nem uma coisa nem outra. Queria encarar a escrita como algo
natural, sem supervalorizar. Ao longo dos anos, acabei dando pra coisa uma
dimensão muito maior do que de fato tem. Em tudo na vida, isso nunca funciona:
ou a gente trava, ou cria expectativas impossíveis, ou idealiza o que não
existe, ou tudo isso junto. Sublinho trechos enquanto leio. Uma vez, comecei a
anotar todos esses trechos em um caderno. Tinha certeza de que iria até o fim
(supondo que existiria um fim, o que não é verdade), mas só precisei de três ou
quatro livros do Borges pra perceber que demoraria uma vida. No fundo, ainda
tenho vontade de continuar. Não sei o que faria com o caderno depois. Muita coisa
é assim na minha vida: tenho vontade de fazer, sem saber muito bem por ou para
quê. Uso marcadores de página – a ideia era ter um de cada viagem que já fiz,
mas não aconteceu. Posso ler a qualquer hora, em qualquer lugar, com uma guerra
ao meu redor, mas só escrevo sozinha. De preferência à noite. Preciso do
silêncio e da solidão. Da sensação de vazio que só é possível nesses momentos.
Há uns anos, cheguei a testar acordar cedo, escrever antes
de começar o dia. Durou três meses, e até que foi muito. Minha escrita, enfim, é solitária e noturna.
Na praia até que varia, porque lá é possível conseguir silêncio e distância
durante o dia também. A distância elimina os vínculos. Lá, não sinto tua falta.<o:p></o:p></i></div>
<br /></div>
~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-68003092722778290282019-04-20T16:30:00.000-03:002019-04-20T16:30:13.130-03:00me diz<br />
<div class="MsoNormal">
- nenhuma certeza das coisas que não são palpáveis<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- ao mesmo tempo, que certezas me dão as coisas que posso
tocar?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- não posso dizer que existem<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- <i>es más mio lo que sueño que lo que toco</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- perdi a conta dos dias, das chegadas, de tudo <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- o tempo já não me importa<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- nunca adiantou se importar com o tempo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- mas é tempo demais<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- represando palavras<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- até quando?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- a vida inteira eu falei sozinha<o:p></o:p><br />
- uma língua que ninguém entende</div>
<div class="MsoNormal">
- tu quer me ouvir?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- eu quero muito te ouvir<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- qual o teu medo? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- porque eu hoje em dia só tenho medos inúteis<o:p></o:p><br />
- e raiva também<br />
- raiva de absolutamente tudo</div>
<div class="MsoNormal">
- quantas vozes habitam em nós?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- desde quando habitar se tornou um verbo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- a gente bem sabe<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- e é inútil saber<o:p></o:p><br />
- eu não sei de nada<br />
- bem gostaria de saber</div>
<div class="MsoNormal">
- me diz<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- o que tu sente?<o:p></o:p><br />
- eu deveria sentir?<br />
- tu sente alguma coisa?</div>
<div class="MsoNormal">
- gostaria de ter vivido em outro tempo<br />
- porque esse que me cabe <span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt;">– </span>não vale nenhum segundo<br />
<br /></div>
~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-13600914722131968032019-04-11T23:30:00.003-03:002019-04-11T23:49:25.110-03:00até que só reste pele<br />
<div class="MsoNormal">
O corte do vestido também ajuda. Esses em que a cintura não
é alta nem baixa demais. Prendo o cabelo. Desço os braços devagar, passando as
mãos pelo corpo. Elas se detêm sempre no mesmo ponto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Escuto o café fervendo no bule. O gosto das coisas que
passaram do ponto. Não por descuido: às vezes é preciso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Invejo demais essa tua vista.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Os carros pequenos lá embaixo. As texturas dos prédios,
janelas acesas. E todo aquele céu. Como uma janela pequena daquelas era capaz
de emoldurar tanto céu?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Falar da vista da janela era escancarar qualquer porta. Só
não vê quem não quer.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Quer conhecer?</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Ei-la!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Gente. É muito céu!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Posso sentir meus olhos brilhando. Como se quisessem ser
maiores do que a janela, mais do que o próprio mundo, abarcar tudo. Fico
olhando para o céu por uns instantes, sentindo a presença dele alguns passos
atrás de mim. O que será que ele pensa, me vendo de costas? E não se aproxima
por não saber como ou por ainda querer manter alguma distância?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ainda.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Me viro e vou até a
frente da estante. Os livros bagunçados, uns sobre os outros. Porque são
tirados e devolvidos com frequência. Folheados. Vividos. Meus olhos param sobre
um Proust.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Posso pegar?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Claro! Pode mexer à vontade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
É aquele momento. Exatamente aquele momento. O limiar de
tudo que está prestes a acontecer. Os últimos instantes em que ainda é possível
desistir: podemos olhar nos olhos um do outro, entender que foi uma escolha
errada e sem dizer nada acabar o que não começou. Ou podemos falar um pouco
sobre o livro que tirei da prateleira, às vezes olho para as páginas, às vezes
para o rosto dele, ele pega o livro das minhas mãos, folheia em busca de uma
passagem específica e me devolve com o indicador no início de um parágrafo,
“aqui, lê a partir daqui”, eu começo a ler, nós dois em silêncio, de frente um
para o outro, dessa vez mais perto, ele me observando ler, chego ao fim do
trecho que ele apontou, engulo, “nossa”, não consigo dizer mais do que isso,
“foda, né? O cara é muito bom”, eu deixo o livro sobre o batente da janela,
olho mais uma vez para o céu e quando volto a olhar pra ele é porque sinto as
duas mãos na minha cintura, uma de cada lado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sinto a mão dele subir pelas minhas costas e se encaixar na
nuca, por baixo dos cabelos. Levo a mão que apoiava o rosto dele para o mesmo lugar. Deslizo para cima e para baixo,
fazendo um pouco de força, puxando de leve os cabelos. Arranho as costas dele, a mão
dele desce pelo meu vestido. Desvio meus lábios dos dele e começo a
beijar o pescoço. Respirando com mais força. Coloco a língua na orelha
dele, mordo de leve. Ele chupa meu pescoço. Respirações sonoras e mãos que querem abrir calças, subir por baixo de vestidos, atravessar todos os tecidos.<br />
<br />
Até que só reste pele.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tomamos o café que ele acabou de passar sentados na beira
daquela janela. Nossos joelhos se tocam no centro da cena. O dia é cinza e
sopra um vento mais frio. Prenúncio de outono.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Planos? – eu pergunto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Nada. Só ficar lendo aí, acho.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Coisa boa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Bebemos mais um pouco do café em silêncio. Percebo ele
olhando para mim, mas quando viro o rosto para olhar de volta ele baixa os
olhos num susto. Dou um sorriso, mais pra mim mesma do que pra ele. Ele se
escora de costas para a janela e diz, olhando para as próprias mãos, mais para
si mesmo do que para mim:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Posso te emprestar algum livro, se tu tiver a fim de
ficar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Que arranjo é esse?, tenho vontade de perguntar. Onde no
mundo esse amor vai se encaixar? Pode mentir, desde que seja verdade.<o:p></o:p></div>
<br />~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-26042634784965832112019-04-04T23:07:00.000-03:002019-04-04T23:32:55.229-03:00uma história feita para fazer sentido<br />
<div class="MsoNormal">
A dinâmica das coisas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Nunca mais tinha visto um chiado na tv. E ali estava. Não
fazia qualquer ruído, na verdade, mas a profusão de pixels hipnotizante e incômoda dançava na tela. Eu não entendo por que ligo a tv. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Lá fora, escuridão. Há horas a noite venceu o que restara do
dia. Me deito na grama para olhar o céu. Poderíamos fazer isso juntos, não? É
uma coisa que poderíamos fazer juntos. E senti tua falta, mesmo que tu nunca
tenha estado aqui de verdade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
É assim, então? Sentir falta do que nunca existiu?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A dinâmica das coisas é essa oscilação de ritmo. Às vezes
quero tudo, às vezes não quero nada. Dias de ser do mundo, dias de desaparecer.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
As coisas acontecem sem que eu faça parte delas. Mesmo
quando estou lá. Porque aquela não sou eu. É uma versão feita para eles, a
partir deles.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quem somos só existe para nós. E quem somos nós só somos
quando estamos sós.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<i>Eu canso fácil das coisas. Das pessoas. Na maioria das
vezes não dá tempo de criar um laço. De de repente ser importante pra alguém.
Porque eu nunca tenho interesse o suficiente pra ficar. Ou pra tentar. Não que
eu não goste das pessoas – eu gosto. Mas eu nunca sou alguém que vai fazer
parte da vida delas. É só enquanto as circunstâncias forem essas de
proximidade. Senão acaba. Porque eu não consigo fazer essa função da
manutenção. A não ser quando é uma daquelas pessoas que sabe-se lá por que eu
entendo que, meu deus, preciso manter essa pessoa na minha vida. E em 100% dos
casos essa não parece uma vontade recíproca. É ridículo, em suma. Por isso que
no fim o melhor é ficar sozinha. Não dá trabalho.</i><o:p></o:p></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
***<o:p></o:p></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<i>Só que ninguém entende direito. E eu dificilmente encontro
pessoas que compartilhem isso comigo, com quem eu possa falar a respeito. Sobre
um monte de coisas. Querer viver numa cabana no meio do mato ou numa casinha de
madeira na beira de uma praia vazia. Acho bem difícil estimar quantas pessoas
já conheci na vida. Mas conto nos dedos as que dividem ou dividiram comigo pelo
menos um desses interesses mais profundos. A sensação é de que todo mundo vive
“do outro lado”. Às vezes eu entro nesse outro lado, passo um tempo por lá,
bons momentos, mas em algum momento inevitavelmente preciso voltar. O absoluto
não pertencimento a um espaço onde a maioria se sente tão bem, o eterno não se
encaixar. E a gente passa a vida tentando. Mesmo. Mas ninguém entende a menos
que sinta também.</i><o:p></o:p></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
***<o:p></o:p></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<i>Qual é a tua, afinal?, eu quero
perguntar. Me ajuda porque se tu não disser fica difícil entender. De saber o
que fazer. Fico aqui tentando descobrir se vale a pena ou não dizer as coisas
que tenho vontade. Se ainda dá pra tentar ou se é melhor desapegar. Sempre
tateando. No escuro. Pisando em ovos. Tentando não escorregar. E pra quê? Nem
eu sei exatamente. Porque ficou essa coisa, assim. Não quero conversa, mas
ei, como vão as coisas. <o:p></o:p></i></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Penso nas constelações que poderíamos mostrar um ao outro. E
nas que poderíamos criar. Uma cadente que teria nos levado ao espaço: eu sei,
tu sabe. Nosso jogo é de palavras. O mundo é tudo o que temos, mas nunca foi
nosso de verdade.<br />
<br /></div>
~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-88617254512494714162019-03-28T22:42:00.000-03:002019-03-28T22:42:11.376-03:00ônibus<br />
<div class="MsoNormal">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Eu queria acreditar que sim, as palavras mudariam
tudo.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Parou aí, daquela vez. E lá
se foram dois meses. E aconteceu exatamente assim – as palavras mudaram tudo.
Foram ditas, ganharam vida, ganharam o mundo. Mudaram tudo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Só esqueci que não
necessariamente elas mudariam tudo da maneira como eu gostaria. E aconteceu
exatamente assim.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">***<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Tem aquelas coisas todas
de viajar de ônibus – não ter muita escolha quanto ao horário da viagem ou quem
vai sentar do lado. De repente a rodoviária nem vende mais passagens e é
preciso ir até a cidade vizinha. Com outro ônibus. Nenhum poder de escolha, mas
sempre a mesma expectativa: três horas para ler, dormir ou pensar. Três horas
inteiras.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Não sei se era uma
montanha. Não domino os critérios de classificação geográfica. Mas fiquei
pensando que a menina que eu fui não caberia em si de felicidade com tanto mato
no pátio dos fundos. Porque era o que eu mais gostava. Brincar no mato. Nem me
ofendo quando as pessoas dizem, “bicho do mato”. Sempre fui.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">E do outro lado a lagoa.
Imagina aquela lagoa nos fundos de casa. Algumas das casinhas tinham um pequeno
píer. Os barcos atracados. Crianças ali nadando. Imagina. “Mãe, terminei o
tema, vou pra lagoa”. Que sonho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">É sempre assim que começa. Quando começo a sonhar acordada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Se um dia eu tomar uma
decisão, dessas pra mudar tudo, vai ser a de morar perto do mar. Sentar na
varanda de frente pra água. Dar uns passos e estar ali.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">***<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">As palavras. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Me disse tudo aquilo.
Alguém realmente me disse aquelas palavras.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Tenho a tendência de
achar que não é nada demais. Não é tão bom assim. Ninguém prestaria atenção. E
quando alguém elogia deve ser por educação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Será que posso ter esse
tipo de impacto nas pessoas?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Bom, eu tive. E as
palavras ganharam vida. Escrever – conceder o sopro da vida. Tudo mudou.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">***<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">E Marte? Qual vai ser a
primeira geração a ver alguém em Marte? Imagina o Bowie. Mas, pensando bem, que
bom ele não estar aqui pra ver isso. A fantasia da vida em Marte se baseava
justamente no fato de que não seria a nossa. Porque essa existência e essa raça
merecem o fracasso ao qual estão fadadas. E num futuro já vislumbrável
estaremos destruindo outros planetas além do nosso. Que sucesso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Acabar com um planeta.
Pensa na magnitude disso. Inviabilizar a vida não em uma cidade, no entorno de
um rio, em uma região específica de conflitos, mas em um planeta inteiro. A
espécie que vai causar a própria extinção. Quem mais seria capaz disso? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">E enquanto não chegamos
lá ficamos aqui, literalmente se matando. Por dinheiro. Porque uns
acreditam em Deus e outros não. Por quem
transa com quem. Por crenças e visões. Esquerda, direita. É de uma mediocridade, de uma estupidez.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Tem o que
valha a pena, mas no fim das contas é isso: a gente merece acabar. E bom seria
se isso acontecesse antes de estragarmos todo o resto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">***<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Tudo mudou porque me
disse o que disse e sumiu. Não que antes fosse uma presença constante ou alguém
que de fato fizesse parte da minha vida. Não era. Mas na minha cabeça o efeito
seria justamente o oposto – nos aproximaríamos. Que outro traço em comum
poderia unir mais duas pessoas?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">É específico demais. É
raro demais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">E ainda assim foi o que
aconteceu: o pouco contato de repente era nenhum contato, as respostas mais ou
menos evasivas se tornaram respostas de uma palavra só, sem mais como foi o fim de semana ou como estão as coisas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Depois da enxurrada que
fez meu coração disparar – nada. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">***<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Esses dias passaram e
deixaram uma atmosfera estranha. Uma energia diferente no ar. Quando foi que eu
comecei a prestar atenção nessas coisas? A de fato ser capaz de sentir uma
“energia diferente no ar”? Essa sensação que às vezes surge, sem motivo, sem
explicação. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Out of the blue</i>, mesmo.
Adoro essa expressão. Teria a ver com o céu?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">De repente no meio da leitura estou lendo frases soltas. Sem unir o
conjunto em uma narrativa com sentido. Porque me lembrei do vazio que ficou lá, à minha espera.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;">Voltar é sempre estranho. </span><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt;">Nenhuma outra palavra.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 120%;"><br /></span></div>
~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-54142981332902147192019-03-18T23:32:00.001-03:002019-03-18T23:32:46.615-03:00não nesses dias<div align="left">
<div dir="ltr">
<br />
Como, à revelia do que sabemos, prevalece essa sensação de que a vida só<i> </i>existe no lugar onde estamos. O sol nasce e se põe para nós. É dia ou noite. Inverno, verão. Chove ou faz sol. Mas sempre onde estamos. O resto do mundo <span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt;">– </span>a cidade vizinha <span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt;">–</span> existe numa espécie de imaginário paralelo. É, mas não é. Não nos toca. Não nos pertence o que não nos alcança.</div>
<div dir="ltr">
<br /></div>
</div>
<div dir="ltr">
Não cabe a nós, o mundo. É demais.</div>
<div dir="ltr">
<br /></div>
<div align="left">
<div dir="ltr">
As folhas dessa árvore têm uma cor e uma textura impossíveis. É um tom de verde como tantos outros que reluzem ao sol e no entanto de todas as árvores que me cercam é dela que não consigo tirar os olhos. É a árvore da minha imaginação quando penso em desenhar uma árvore. Que bom não fazer tanto tempo desde a última vez em que desenhei uma árvore.</div>
<div dir="ltr">
<br /></div>
</div>
<div dir="ltr">
A gente cresce e fica assim: imbecis. Todos nós. Não merecemos o mundo, como espécie. </div>
<div dir="ltr">
<br /></div>
<div dir="ltr">
Tem um canário amarelo que aparece de vez em quando. Um canário amarelo na árvore da minha imaginação. Como funcionam as pessoas que têm coragem de manter pássaros em gaiolas?</div>
<div dir="ltr">
<br /></div>
<div align="left">
<div dir="ltr">
Ele está ali, cantando. Vento. Tanto que a rede chega a balançar de leve. Estou prestes a virar a página e me dou conta de que não lembro uma linha sequer. É literal, mas bem poderia ser uma metáfora. Sempre acontece. No sentido literal e no metafórico. Pensamentos que começam a jorrar de todos os lados, pensamentos que eu nem sabia que era capaz de pensar. E não param. Mas também nunca se completam. Um pedaço de uma ideia. Duas ou três frases soltas. A lembrança do ralo do tanque que preciso arrumar. A entrevista que acabei de confirmar. A pessoa com quem gostaria de falar sobre tudo isso. A pessoa que eu gostaria de ouvir. Todos os dias.</div>
<div dir="ltr">
<br /></div>
</div>
<div align="left">
<div dir="ltr">
Os vizinhos dos fundos e a batalha pelo som mais alto. As mesmas músicas em ordem diferente. O dia inteiro. Não sei se leem ou não. Se dormem. E só consigo pensar nisso como sintoma da incapacidade de toda uma geração de ficar em silêncio. De ouvir os próprios pensamentos. É medo?</div>
</div>
<div align="left">
<div dir="ltr">
<br /></div>
<div dir="ltr">
Porque dá uma ansiedade. De repente pensar em tudo. Inclusive tudo em que não se gostaria de pensar. </div>
<div dir="ltr">
<br /></div>
</div>
<div align="left">
<div dir="ltr">
O canário voou. Outros dois passarinhos se molham na pequena poça que a mangueira formou na grama. Devo aceitar? Tudo parece tão distante. Irreal. É o que acontece. Com as coisas e com as pessoas. Quando estamos distantes. Será que também pensa no que estou fazendo agora? Enquanto eu penso. Uma presença leve que ilumina tudo. Soou como uma despedida. Vamos nos ver de novo?</div>
</div>
<div align="left">
<div dir="ltr">
<br /></div>
<div dir="ltr">
O que vou dizer na entrevista? Não existe botão de voltar. Arquivar. Deletar. É a vida, acontecendo de novo. Mas não nesses dias. Não era para acontecer nada nesses dias.</div>
<div dir="ltr">
<br /></div>
</div>
<div align="left">
<div dir="ltr">
Um mar tão inquieto que só o próprio mar poderia acalmar.</div>
</div>
~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-44265660284313497372019-03-10T19:13:00.001-03:002019-03-13T17:38:30.113-03:00os desvios são necessários para revelar a vida nas coisas<br />
<div class="MsoNormal">
Quero um pouco de tudo aquilo que nos tira da realidade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Os olhos fechados contra o sol. A janela de um avião. A vida
por trás das janelas acesas à noite ou dos rostos na rodoviária. As formas em movimento
no fundo da piscina. Os sons do universo paralelo no fundo do mar. Quase todos
os livros. O céu. Um café no Campus Centro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
É pretensão minha imaginar o que outra pessoa diria? Bom,
todo escritor precisa dessa pretensão. Era mais ou menos o que eu pensava
quando ele entrou na sala. E na verdade não importa se na realidade a pessoa
nunca diria aquilo – porque não é realidade. É ficção.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Usava roupas parecidas com as que eu me lembrava de ver nas
eletivas da faculdade. Calça jeans escura dobrada nos tornozelos, calçados que
eram um híbrido entre tênis e botinas, camisa xadrez com as mangas também
dobradas, pulseiras de couro no pulso esquerdo, óculos. Os grisalhos, antes
restritos à região próxima das orelhas, tinham se espalhado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Faltavam dez minutos para o horário marcado, a sala ainda
não estava cheia. Ele largou a pasta sobre a mesa, separou umas folhas e alguns
livros e olhou ao redor. Tentei ler os títulos pela lombada, mas a miopia não
deixou. Reconheci Deleuze e Borges. Tentava decifrar um terceiro quando percebi
que ele estava olhando pra mim. Olhei de volta. Sorri. Tudo bom? Veio na minha
direção. Me reconheceu. Levantei para cumprimentar. Falamos rapidamente e ele puxou
um dos livros. Já leu? Faulkner. Não, li um outro dele, bem curtinho, esse
ainda não. Leitura obrigatória. Fiquei ali de pé, folheando o livro. Teria
começado a ler ali mesmo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Gostou? Leva pra ti. Tenho outra edição igual em casa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quando a aula acabou, fui agradecer e me despedir, momentos
assim me faziam sentir falta da faculdade, encontros para estimular o
pensamento fora do eixo que só vivíamos nas cadeiras dele. Perguntou se eu
tinha algum compromisso – ele tinha outra aula para dar em duas horas, podíamos
tomar um café nesse tempo se eu não estivesse com pressa. Eu não estava.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Perguntei da filha pequena. Ele comentou que leu meu TCC e
perguntou se eu não pensava em Mestrado. Disse que não. Muito tempo, muita
entrega. Só queria umas aulas assim, de vez em quando, não deixar a cabeça
parar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Mas tu continua escrevendo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Falou desse jeito, mais afirmação do que pergunta. Quase um
imperativo. Aqui e ali, uma coisa ou outra. Disse que gostava dos textos que eu
escrevia, que eu não devia deixar isso de lado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;">- Os desvios são
necessários para revelar a vida nas coisas. </i>Até hoje lembro do momento que
anotei essa frase. Não sei se é minha ou se veio de algum texto, mas nunca
esqueci.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Não faz diferença – agora é tua. Tu te apropriou, deu um
sentido pra ela; é tua.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Era um sábado frio no fim do verão. Pegamos um segundo café
e ficamos ali até a hora em que ele teve que subir de novo, para a segunda aula
da tarde. Falamos sobre as aulas, os exercícios de escrita que ele costumava passar,
as idas e vindas dos nossos tempos, curvas de leituras, as prisões e
potencialidades da língua. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ignorar os próprios fantasmas é só mais um jeito de mentir.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Quando a gente escreve, e cria uma história, personagens,
cenários, isso vem do nada. Claro que tem todas as referências, todas as
leituras anteriores, todas as memórias. Mas essencialmente vem do nada. Como
algo pode vir do nada?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Costumava tocar uma música contínua, que carregava o tempo
em direção ao futuro. Um dia, a música silenciou, e foi quando o
futuro retrocedeu. Se o futuro pode retroceder, poderemos nós ir adiante? Antes
que o tempo passe e nos leve até lá, antes que o futuro seja. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
No fim, só podemos voltar. E voltamos sempre.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- É preciso acreditar nas próprias histórias. Se nem a gente
acredita, por que alguém mais iria?<o:p></o:p></div>
<br />~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-37098247943675191062019-02-06T22:11:00.000-02:002019-02-06T22:51:38.557-02:00retalhos<br />
<div class="MsoNormal">
O melhor dos dias de chuva é isso, não é preciso esperar
nada deles.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Foi um dia em que eu nem acendi a luz. Mal dava para chamar
de claridade, a luz cinza que entrava pela janela da sala. Era só a chuva,
mesmo. Caindo pesada, com força. As copas das árvores balançando com o vento. E
o barulho dos pingos. Com o que se pode comparar o som de pingos de chuva? Uma
suavidade qualquer. Um ritmo de perto que leva para longe. Uma moldura ou pano
de fundo para os pensamentos que deixarmos chegar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E tudo veio assim, em flashes. Fragmentos. Fios desconexos.
Pontas soltas de tantas histórias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Um sorriso de cabeça baixa, como se sentisse vergonha ou
ficasse sem graça de responder sobre o final de semana em São Paulo. Ou o
sorriso aberto e entregue de quem diz “fui aprovado”. A companhia mais leve e
improvável que poderia ter surgido naquele fim de semana. “Vamos jogar?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Uma mão no ombro quando vai chegando. E pergunta sobre o
livro que estou lendo e o trecho que acabei de sublinhar. “Gosto muito do
trabalho desse ilustrador”. Senta ao meu lado no sofá e fala sobre a semana que
vai começar. O respiro de uma tarde como aquela. Quem faz isso, hoje em dia?
Quem para e dedica cinco minutos do seu tempo sincera e inteiramente a outra
pessoa?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Escorado no balcão, a luz apagada. O ombro que se ofereceu
quando precisei chorar e queria esconder as lágrimas. Aquele abraço apertado
que foi um colo e me envolveu como se dissesse: chora. Nunca precisamos de
muitas palavras. Tanto que eventualmente não sobrou nenhuma. “O que a gente tem
já é pra sempre.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Vestígios de um menino que não conheci na expressão mais
doce que me lembro de conhecer. As mãos folheando meu livro. Inclina levemente o
queixo para a esquerda e me dá um sorriso divertido: “Quase, mas ainda não é
bem isso”. Rio, porque sei que não é nada disso e ainda estamos longe de quase.
“A negação não nos leva a lugar nenhum.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Gotas escorrendo pelos vidros da janela. A chuva segue,
indiferente, e de repente entendo que sinto inveja dessa indiferença. A chuva <i>é</i>
– existe e acontece independente de qualquer história. A água atinge o chão, e
pouco importam as vidas que correm sobre ele. Destinos paralelos que neste
exato minuto pensam em conjunto:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
chove.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
As lembranças são um composto de tempos. O que já foi e o
que é temperado pelo devir, pelo que eu gostaria que fosse ou tivesse sido. Um
vislumbre de eternidade, todos os tempos unidos em um mesmo fragmento. Tão
rápidas e efêmeras quanto os pingos de chuva – vêm numa enxurrada breve e de
repente não existem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
São pequenas distâncias. Sabores do que não existe. De tudo,
guardo palavras.</div>
~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-1410815287922977322019-01-25T21:52:00.000-02:002019-01-26T01:11:48.250-02:00um almoço<br />
<div class="MsoNormal">
O barulho do ventilador embutido no elevador. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mal refrescava, aquele ar. À esquerda, a tela do tamanho de
uma folha A4 mostrava a tabela do campeonato brasileiro. Estávamos só os dois
ali dentro, e o elevador surpreendentemente não parou em nenhum andar, mas
mesmo assim a descida pareceu levar uma eternidade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O tempo costuma demorar a passar quando procuramos palavras.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Na rua, ele colocou os óculos escuros que trazia pendurados
na gola da camisa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- E aí, aonde vamos? Não vou poder demorar muito. Marcaram
agora de manhã uma reunião à uma e meia...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Era sempre assim. Ou vinha sendo sempre assim, há mais tempo
do que eu conseguia lembrar. Fazia parecer um favor. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Pronto, estou aqui, cedendo uma hora do meu precioso tempo e da minha
valiosa presença pra ti. Não era isso que tu queria?</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sentamos em uma das mesas ao lado da janela. Pedimos nossas
bebidas. O garçom riscou uma comanda e a deixou sobre a mesa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- E aí, como vão as coisas?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Tudo certo, eu acho. E contigo? Parece bem ocupado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- É, é muita coisa. Mas tá tudo bem. Tirando não ter mais
tempo pras coisas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Nos servimos e começamos a comer, em silêncio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Acho que finalmente aprendi a me manter assim, sabe? Sem
deixar as coisas me afetarem. E aí fica tudo bem. Claro, não chego a me
empolgar com quase nada, mas pelo menos não sofro que nem antes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Que bom, se isso funciona pra ti. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- E como tão as coisas com a Bruna?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Ah! Não te falei? Decidimos morar juntos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não falou. Que bom! Ficou sério mesmo, então?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Parece que sim, né?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Pois é! Mas, sério, que bom! Tomara que dê certo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- E tu? Alguma novidade nesse sentido?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Nada que tu já não saiba. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não rolou lá com o carinha?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Ah, sei lá. A gente conversa, eventualmente. Mas se ele
quisesse alguma coisa já tinha acontecido. Eu já dei todas as aberturas
possíveis. Enchi o saco de ficar tentando. Se não volta, não volta. Né?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Houve
o tempo em que não sabíamos o que dizer porque tínhamos o que dizer. O mundo dentro de nós. E agora o
que nos restava era isso – almoços de superfície, temperados por silêncios
desconfortáveis.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quando nos tornamos essas pessoas? Que nunca têm tempo, mas
nunca têm culpa? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Eu queria dizer isso para ele. Queria dizer que as escolhas
são nossas. Que as prioridades e o tempo são escolhas nossas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele comia rápido. Tinha recém passado da metade do meu prato
quando vi que ele colocou na boca a última garfada. E eu não poderia adivinhar
se era sempre assim ou só porque estava comigo. Pensei em acelerar, mas também
pensei: foda-se, esse não é um problema meu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Me lembrei do Piglia: “Eu tinha esquecido as
palavras para falar com ela”. Era isso. Eu não tinha mais as palavras para
falar com ele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Queria a amizade que já não existia. E lutava por uma
proximidade impossível de ser recuperada. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Não
era isso que tu queria?</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
De repente, mais coisas nos separavam do que nos uniam. De
repente, o que antes costumava nos unir agora nos separava.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Pode ir subindo se quiser. Vou ficar aqui pra fumar um
cigarro. Tu parou mesmo, né?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Parei.</div>
~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-38195816795320811732019-01-12T18:22:00.000-02:002019-02-06T22:36:01.814-02:00em suspenso<br />
<br />
<div class="MsoNormal">
Sempre me deixa assim: em suspenso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Era uma das preocupações que eu tinha – não precisava gostar
da pessoa, mas tinha que pelo menos me sentir à vontade. Claro, eu poderia
procurar outro lugar, mas só de pensar na função. Torci para ser alguém
“normal”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
No dia que cheguei, ainda não tinha me apresentado, vi de
longe. Ok, é uma pessoa legal. Não acontece sempre, mas a gente simplesmente
sabe, às vezes. Vemos a pessoa e sabemos que é uma boa pessoa, que vamos nos
entender.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Só não sei quando começou a ser mais do que isso. Mais do
que alguém que estava ali. Mais do que alguém que não me fez querer ir embora.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Minha vontade era de falar. Mandar uma mensagem agora e
contar o que aconteceu. A gente cria uma versão da pessoa e de repente é o
único ser no planeta, ou pelo menos o primeiro, com quem queremos dividir uma
notícia boa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Nunca tive nenhum motivo para isso, eu bem sei. Nenhuma
indicação, nenhuma indireta, nenhum movimento, nenhuma fala que desse a
entender nada. Era só essa sensação.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
De que todas as escolhas que fizemos nos trouxeram até aqui
para que nos encontrássemos. De que esse encontro foi mais do que uma
coincidência. De que o que temos em comum deveria ser motivo para sermos mais
do que duas pessoas que se encontraram por acaso. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Me deixo levar. Me deixo permanecer em suspenso. À espera de
algo. Enquanto os dias passam. Sem qualquer promessa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Às vezes é só isso: o bruto sono da realidade. <i>Lost in
translation</i>. Pessoas se encontram e desencontram todos os segundos sem que isso
signifique nada. O que significa encontrar uma pessoa? Nascemos com olhos que
querem ver mais.<o:p></o:p></div>
<br />~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7022385685786283563.post-17939045625357490012019-01-03T11:18:00.000-02:002019-01-04T01:34:14.596-02:00abaixo da superfície<br>
É um desses lugares que definham com o tempo em vez de florescer. Que decaem em vez de revigorar.<br>
<div class="MsoNormal">
<br>
Sempre passamos os verões aqui. E tinha sempre uma galera: os meninos mais velhos do colégio, os nossos próprios colegas, as amigas que ocupavam todos os colchões lá de casa. Além do pessoal que ficava na praia vizinha. E tudo era tão perto e a passagem do ônibus era tão barata.<br>
<br>
Hoje não sobrou quase nada. E ninguém mais vai pra lá.<br>
<br>
Ou nós simplesmente envelhecemos?<br>
<br>
***<br>
<br>
Gosto da sensação de praia vazia quando caminho. Conheço as ruas quase mais do que a mim mesma, tantos os passos que já dei por todas elas. Poderia andar de olhos vendados e bastaria contar as quadras para me localizar.<br>
<br>
Vou para fugir. </div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
Das pessoas, do calor, das vozes, de uma rotina ao
mesmo tempo veloz e mecânica, quando abrimos os olhos e respiramos apenas pelos
momentos que nos lembram que estamos vivos.</div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
Sobretudo dos sentimentos, que aqui
sempre gritam mais alto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
Estamos sentados na areia, olhando para o mar. O barulho e o movimento hipnotizante das ondas. Vão e voltam.
Incessantes. Completas no ir e vir sem fim. Não importa quanto tempo
permaneçamos parados diante delas. E ficamos quase o dia todo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
- Esse momento alguma vez passou pela tua cabeça?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Como assim?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Que a gente viveria algo assim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
Silêncio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
- Passou pela tua?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Tantas vezes que tu não é capaz de imaginar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
Ele beija meu ombro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
- Acho que sou, sim. Mas nenhuma versão poderia ser melhor do que
essa. Essa é real.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
Devolvo o beijo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
- Mas tu não fica um pouco puto com isso, de algum jeito?
Que a realidade seja melhor do que a imaginação?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Por que eu ficaria?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Porque é o que gente faz, ora. Inventar coisas. Criar
histórias. Se a vida ganha disso, o que nos sobra?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Reinventar a própria vida. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
Nova pausa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
- Esse momento é um pouco disso, se for pensar. Tu imaginou. Agora a
gente tá aqui vivendo. Depois pode virar ficção.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E agora? De quem foi essa ideia? Minha ou tua?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
Não há quase ninguém na praia. São os últimos dias de verão,
e a maioria das casas já está fechada, com os alarmes acionados e a poeira que
reinicia o processo de se acumular sobre as superfícies.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
Superfície.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O fundo é solidão, mas a superfície é o inferno.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
Nunca me desfaço dessa frase. Os dias seguem seu curso de dias e de repente ela soa. Foi escrita sobre uma tempestade no mar. E é a vida, também.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
***<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
Pela janela do ônibus, um vislumbre do que fica para
trás. Uma bicicleta escorada na parede da rodoviária. Folhas secas que rodopiam
pela calçada com rajadas repentinas. Nenhuma alma salvo a do atendente da
rodoviária, também com os dias contados. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
As ruas vazias de um lugar parado no tempo. O verão acabou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal">
Estávamos abaixo da superfície. Os dias eram nossos, o tempo
era nosso, e o que aconteceu lá fora não penetrou o universo que criamos.</div>
~http://www.blogger.com/profile/00654664486038368004noreply@blogger.com0