4 de fevereiro de 2015

tempo que se opõe ao tempo

Imagino se chega determinado ponto da vida em que percebemos já ter feito tudo. Considerando a possibilidade de fazer tudo; tudo o que se julga necessário ou importante. E então nesse momento entende-se enfim que não há mais o que fazer aqui, não há mais por que estar, e a morte deixa de ser algo ruim.

Do alto do meu prédio, posso ver o seu. Posso ver o céu, apagado pelas lâmpadas de todas as janelas. Posso ver as janelas e as vidas dentro delas. Posso imaginar um rosto, semblante embaçado pela memória que engana. Posso imaginar movimentos no interior de um apartamento que não conheço. Ouvir música, preparar a janta, ler qualquer coisa. Ou talvez nada disso: talvez se deixar estar na sacada fumando, pensar em como se livrar de tudo.

O que há na altura e nessa sensação de imensidão que tão fascinantes? Bêbada de infinito e solidão, qualquer cidade é a mesma cidade, e você a insignificância.

Posso imaginar as mãos e tudo o que se opõe ao tempo. O tempo que se opõe ao tempo. Essa insistência vã de vencê-lo - que consome, arde e se esvai em horas perdidas. E leva junto os sonhos que não se tornaram realidade, as histórias para sonhar, os trens que nunca deixaram estação nenhuma e alcançaram lugar algum.

Os irmãos sono e insônia, tanto e por tanto tempo que começo a questionar se de fato acordo algum momento. Se a vida como a vivemos é uma ilusão, o sonho de alguém que dorme, então qualquer realidade é possível - qualquer realidade é fantasia. Sentados lado a lado, nossos braços se encostam, nossos rostos estão tão próximos e as risadas são tão altas que é quase possível acreditar. Meu rosto no seu ombro quando me escondo para rir, sua mão no meu braço e os segundos em que tudo é verdade.

Todos os dias os sons, todos os dias as caminhadas vazias. Passos descompassados, e onde estarão os seus enquanto os meus cruzam a rua. Essa distância, pequena e intransponível. Seria mais fácil voltar sem pensar na volta se não fôssemos nada. Mas agora todas as conversas que nunca teremos soam e se repetem e voltam em uma fantasia boba, insciente da própria fantasiez. Seria mais fácil voltar se um de nós não existisse.

Tempo que se opõe ao tempo. No silêncio, amor natimorto.

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