7 de outubro de 2015

os bastidores

Cedo ou tarde. Não o momento em que se abre uma cortina, deixando ver o espetáculo, mas aquele em que despenca o fundo de palco, revelando os bastidores: num repente, você toma consciência de toda a sordidez da vida.

O copo, usado, estava ali há quatro dias. Uma fina camada de poeira cobria toda a superfície da mesa, à exceção de onde as marcas de dedos denunciavam a tentativa de alcançar o controle remoto. O dia encoberto pela cortina, que só deixava passar o vento e os ruídos distantes de uma outra possibilidade de vida. Na calçada, as pessoas passavam e corriam. No relógio, o tempo era apenas um detalhe. Penso nele, semblante ameno, e em como era tão fácil me ignorar. Minha existência, que não passava de um desvio.

O tempo é arrancado de nós aos pedaços quando queremos vivê-lo; quando não importa que passe, arrasta-se em morosidade. E o sentido da existência - esse que buscamos em vão e inocentemente julgamos encontrar - vai com ele; ora faiscando em segundos invisíveis, ora fragmentado em tardes sem fim.

Se estou aqui hoje, não é por mim. Por ele, tampouco. Há uma força obscura que me mantém - indo, levando, vivendo. Todos os dias quando nos despedimos caminho para casa com a mesma pergunta. Pelo que, por Deus, eu espero?

Às vezes é preciso estar neste lugar. Onde o mundo não é capaz de penetrar, de onde não sai nenhuma notícia ou e-mail. Longe, entre quatro paredes que escondem. Amanhã estaremos lá, de novo. Estarei sorrindo, cumprimentarei com beijos, não sentirei enquanto a noite passa por entre os copos que vêm e vão.

Num instante estou viva; em outro contenho a respiração - para não chamar a atenção, para não estar presente. Se existisse uma forma de desabitar o mundo, nos momentos em que a sensatez não é capaz de dar conta - da vontade de tocar, de se aproximar, de dizer que ninguém mais poderia ocupar dessa forma um pedaço de mim.

No fim, é como Johnny Cash cantando os bastidores da vida: eu me concentro na dor, a única coisa que é real. A agulha abre um buraco, aquela velha picada familiar. Eu tento apagar, mas me lembro de tudo. O que eu me tornei? Todos que conheço vão embora no final. Você poderia ter tudo - meu império de sujeira. Eu vou te decepcionar. Vou fazer com que se machuque. Uso essa coroa de espinhos, sentado em meu trono de mentiras, acompanhado pelos pensamentos que não posso mais controlar. Os sentimentos somem sob as manchas do tempo. Você é outro. Eu ainda estou bem aqui.

Não é preciso dizer em voz alta para existir. E eu morreria para que fosse real.

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