4 de setembro de 2014

o sabor e o verbo

Só a vida sendo vivida. Sem poesia, sem beleza, sem trilha sonora. Gosto de vida sendo vivida. O sabor e o verbo. O mais do mesmo. Felizes aqueles que sabem que o gosto não é amargo, aqueles que sabem morrer.

Todas as manhãs o cheiro de café. Água quente sobre pó escuro, e o aroma preenche a cozinha. Vem de longe, de um lugar que talvez sejamos capazes de imaginar ou que sequer sonhamos. O universo inteiro e as mãos de tantas pessoas no interior do bule comprado no supermercado da esquina.

E quando a xícara se esvazia e deixa o vazio de todo o resto e vem a vontade de conversar. Acusar a manchete sensacionalista, comentar o telejornal matinal, reclamar da segunda-feira ou da terça ou da quarta. Falar; mas agora há menos para dizer.

Se você projeta determinado universo de modo a enxergá-lo à sua frente, as palavras fluem, diz o eco. E às vezes é melhor falar sem ser ouvido, mas é sempre menos. Menos uma presença, e a ausência que cala. Sem as suas, que palavras poderiam completar as minhas?

É mais uma estagnação: nem voltar nem ir adiante. Já não importa onde estamos, ou se tudo o que fomos deixou de existir, porque mesmo que eu viva até os cem anos talvez não supere a nossa existência.

Você não usa óculos, mas os óculos que eu uso embaçam com o vapor enquanto cumprimento o tempo em um aperto de mão. Sem mais brigar, vamos juntos. E nesse momento eu sei, em cumplicidade com ele, pano de fundo de toda a vida e causa das mais desgraçadas frustrações, que tempo nenhum é capaz de nos transformar em passado.

Ainda te ouço rir, embora não ouça tua voz. Em sonhos teu rosto me alegra e me assombra. Fico feliz e me sinto menos louca por não ser a única que bebe água da torneira. Uma expressão inocente, e o corpo se entrega. De que cor são seus olhos? Tente se lembrar de que não é possível esquecer.

Se me convidam para sair, digo que sim dizendo que não. Talvez em qualquer dessas noites acabe noutra cama, noutros braços, noutros cheiros de estranhos. Essa ideia de estar e de sentir a própria presença. Existo, ainda que não percebam. Manter-se vivo entre amores todos e nenhum. Um suspiro mudo por nós. E pouco importa o gosto da solidão. O sabor, o verbo e meus olhos que sempre te veem.

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