O problema não foi a minha casa, de que ele tomou conta, nem
a escova de dente e as roupas que ficaram, nem o fato de eu nunca ter conhecido
o apartamento dele. Não foi ele mal ter conhecido meus amigos, nem nenhum de nós
ter visto a família do outro, nem mesmo essa vida à parte que
nós levamos. O problema não foi a instabilidade de
ambos, os conflitos internos ou o medo que eu tinha de chorar na frente dele. O
problema não foi o sexo, nem os orgasmos falsos, nem a vergonha
que às vezes eu tinha de gritar, porra, faz isso direito. O problema não foi o
frio, nem as manhãs que eu passava esperando que ele acordasse, nem as
noites que ele demorava a chegar. Não foi eu ter deixado de sair com meus
amigos para sair com os amigos dele, nem o fato de o ar em toda a casa estar
carregado com a nossa presença, nem o fato de a ausência dele me sufocar. O
problema não foram as discussões que nunca tivemos, nem a melancolia, nem a
vontade de dizer e calar. O problema não foi a saudade, o vazio ou o espaço que
começou a crescer entre nós. Não foi a chuva, não foi o fato de ele morar em
outra cidade, nem a mãe dele me ligando. O problema não foi a inexistência de
datas, de nomes ou de respostas. Não foram os vinhos, não foi o dia que eu
precisei vomitar, não foi o dia que ele não veio. O problema não foi
insegurança, infantilidade ou inexperiência. O problema não foi ele, não fui
eu, não fomos nós.
Cansei de pensar nas coisas, de descrever o fim de semana ou
o cinema ou a chuva que caiu na primeira segunda. As panquecas, o champagne, a
sacada. A mensagem inesperada de estou indo, caminhar de noite, comer pizza. A alegria infantil dele com um presente de natal, minha surpresa com uma
caixa de madeira cheia de cadernos e um pedacinho de papel em que se lia 'amor'. A primeira vez que nos vimos
pessoalmente, a primeira noite, o primeiro dormir juntos. Dividir o banheiro de
manhã, jantar junto, andar de mãos dadas. My girlfriend, quando vai apresentar,
e a gente se escondendo e fugindo o tempo todo.
Não lembro, mas quando lembro ele está sorrindo, empolgado,
feliz.
Tem coisas que acontecem e nós só percebemos que aconteceram
depois de já terem acontecido. Um olhar diferente, um silêncio qualquer. A gente se conheceu e isso deve bastar. Dois
imbecis, provincianos, loucos, que eram perfeitos juntos mas não sabiam ficar
juntos.
Num outro tempo, numa outra dimensão da vida, nos vejo como
um daqueles casais: felizes, musicais, literários, sendo um para o outro o próprio
reflexo. Como se todo o verso fosse reverso. Como se de repente o tempo pudesse
virar e perder nossa história no caminho para começar uma nova, que dessa vez
fosse mais longe do que nós conseguimos ir. Como ouvir de novo a voz dele pela primeira vez.
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