Trinta e sete minutos de atraso, casaco na cadeira, fones, porta-canetas, papeis espalhados e a planta baixa de uma história. Você precisa enxergar, como se estivesse diante de tudo. Imagino um mapa de todos os mapas. De que tamanho seria? Que escala seria capaz de abranger ao mesmo tempo a Rua Castro Alves e todas as galáxias conhecidas?
Pode me emprestar a régua? Claro, pega aí. O que fica subentendido num mover de dedos, mão e braço. Quantos músculos eu mexi pra pegar essa régua? Não faço a menor ideia. Se soubesse teria estudado anatomia. Eu não gosto de anatomia, eu gosto de números. Perguntei quantos e não quais. Achei que tu gostasse das letras e das línguas. Das letras, das línguas e dos números.
Me manda um e-mail no meio da tarde: um gif tosco de coração, quero tomar um vinho contigo depois. O e-mail é a nova carta. Com a diferença de que chega mais rápido, mas ninguém mais usa. Sorrio pro coração tosco que pula na minha tela. Passa lá em casa depois. Vamos ouvir música brega até amanhecer o amanhã.
O apartamento que eu vejo tem uma planta específica: abrindo a porta de entrada e seguindo uma linha reta, ao fundo estão sala de estar e sacada; à direita da porta, a mesa de madeira redonda e quatro cadeiras ao redor; entre mesa e sofá, a circulação que leva até a cozinha; indo em frente, área de serviço. De volta à porta de entrada, agora à esquerda, o corredor - primeira à direita, banheiro; segunda, quarto de hóspedes/escritório; porta do fundo, nosso quarto. As paredes da sala e do corredor são de tijolo à vista.
Na rua, as árvores verdemente enormes tentam invadir nossas janelas, mas pouco importa. A sombra e o vento nos refrescam no verão e a beleza ainda nos acompanha no inverno. É ali onde tudo acontece, o número 217 de qualquer rua, em qualquer cidade. As mangas arregaçadas do suéter deixam os pulsos finos à mostra, convite às mãos, dedos longos e unhas impecáveis. E não há como o toque das mãos, todo significados e sensações, impressões invisíveis sobre a pele.
Todas as ideias que me ocupam - as citações e as referências recorrentes, o labirinto de espelhos, a biblioteca infinita, o título mais belo da literatura e o livro escrito por todos os homens caberiam nos mapas? Uma cartografia capaz de comportar minha vida e a tua? Do nascimento à morte, todas as experiências inúteis, idas e voltas e de novo idas, erros mais que acertos, estranhos que se perderam, encontros que se desencontraram, desencontros que perduraram, peso morto, vida sendo vivida, o sabor e o verbo, o riacho escondido no terreno da rua dos fundos, os lugares secretos da infância, a coleção de tudo.
Você aceitaria uma viagem só de ida para onde só houvesse a verdade? Prefiro, antes, os lugares que exploram a mentira e a invenção. Mais uma linha no tempo. Mais um traço no mapa. Coordenada em paralelo e meridiano. Você só precisa ver, como se estivesse à sua frente. Um longo caminho de volta ao começo e um abismo de mudanças onde a insônia impera.
Eu não sirvo pra conversar, mas por favor me chama pra beber aquele vinho.
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