16 de junho de 2013

a ficção

Você precisa ouvir para ler. Se você não ouve, você não lê. Você decifra códigos sem registro e apreensão, você ultrapassa parágrafos, você chega ao fim e você não é nada. Você precisa ouvir para ler.

O nome é fiction. E a letra diz what she wanted to be doing: wether reading it or writing. Mas o canto é outro. Nos universos desabitados em que agora habita sua alma: what she wanted to be doing, instead of reading it or writing.

Fazer ficção, viver ficção, ser ficção.

A subida de um morro íngreme de curvas. Esquerda e direita em sucessão como numa espiral de asfalto e calçadas. As casas se empilhavam, umas sobre as outras até o topo do mundo. E o topo do mundo era longe o suficiente para parar pelo caminho e espiar pela janela daquelas casas. Não havia ninguém dentro delas. Mesas postas, louças nas pias, roupas nos varais de casas vazias.

No ponto mais alto, aonde era possível chegar por uma trilha entre as árvores entre as casas, descansavam um deque e a vista para o mar. Não havia ninguém na cidade, imensa aos pés do morro. E lá de cima as ruas eram uma malha indecifrável de caminhos que não chegavam nem saíam. O mundo não tem necessidade de sair nem de chegar, apenas de existir.

O que você faria se pudesse realizar um desejo, qualquer desejo?

Não é difícil ver o futuro. Igual a ver a banda passar. Começo, meio e fim estão todos ali, você viu cada um deles. Mas estava lá?

Todos os diálogos de perguntas sem resposta que tivera não eram capazes de dar conta daquele momento. O desejo de isolamento - já pensou um mundo sem essa gente toda? esse caos - já não tinha o sabor de antes, era agora uma inconsistência perdida em um fluxo incontrolável de pensamentos que não sabiam para onde apontar.

Não era realidade nem ficção. O limbo da existência onde só há cenário e potenciais personagens desaparecidos, engolidos pelo egoísmo de um narrador prepotente. Seu mundo já era outro. Há duas semanas o sol não aparece e tampouco chove. Impossível adivinhar o destino das palavras escritas ou seu efeito, e a vida mudava enquanto escrevia. A arbitrariedade da busca pelo sentido. Porque tudo precisa fazer sentido. Tudo ao nosso redor, todos os fatos e todas as coisas. Busca-se e, se não se encontra, inventa-se.

Não existe isso de escrever sozinho.
Mas agora não tem como voltar.

Começa-se então a preencher o caderno de trás para frente. Subverter a ordem das palavras para subverter a ordem do mundo, que girando em outro sentido se torna outro mundo.

Isso é ficção.
Ou não é.

E o corpo arde como se a ele houvesse sido infligida toda a dor do mundo. De onde vem a dor do mundo? Os socos, chutes, pauladas, cortes e queimaduras que nunca havia sentido agora se faziam doer com a força que antes era só imaginada. Causar dor a alguém, e ao mesmo tempo sentir a mesma dor - é uma construção perspicaz. Se a realidade dói, inventar pode ser um remédio. Mas quando a invenção também dói não há mais caminhos possíveis.

Você fez isso acontecer.
Não, eu não fiz.

A dor vem de não saber de onde ela vem. De onde vêm as palavras, ou de não saber como ordená-las nem como descobrir seu lugar. Atrás de um sentido inexistente, passando por cima de todos os outros sentidos, de todos os outros, anulados, esquecidos. A carne padece. E quando não há um outro em quem se espelhar não há mais nada.

Ler o outro como você mesmo, como a si próprio.

Nessa ausência mortificante de melodia, e a tortura dos devaneios sem fundamento. A solidão outrora sonhada que oprime, aniquila, consome. A nocaute outra vez. Não há senão o amor das pedras, eternas. O fantasma chamado de depois, depois de você. A escrita distrai da condição dos homens, e a certeza de que tudo está ou já foi escrito faz fantasmas os homens que escrevem. Essas palavras não podem ser a verdade, mas você mente também, por que não mentiria?

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