16 de outubro de 2012

(n)o final

Todos ligam ou mandam mensagens no dia seguinte. Querem dar uma volta, tomar um café, quem sabe sair de novo. Querem o que sempre querem. Entre uma cerveja e outra, mas invariavelmente sóbria demais, digito meu número em incontáveis modelos de celulares, as luzes do visor misturando-se às da pista. Dou a eles o número correto – por quê? – e nunca respondo.

São todos broncos. Inabilmente, começam a falar sempre as mesmas asneiras e dão a impressão ou a certeza de que nunca se empenharam em conhecer ou tentaram aprender a despertar vontade e interesse. Não são nem semiconscientes da vida. As piadas são infames, os comentários não dizem nada, a voz intrincada é desagradável. E mesmo assim sorrio, respondo, deixo que se aproximem, que me toquem e mesmo que me beijem.

Dançando sóbria entre pessoas bêbadas, minha consciência do entorno não encontra outro caminho senão minha consciência dela própria e me sinto ainda mais sóbria, mais do que em qualquer outra ocasião, mais do que sempre. O álcool que me permito ingerir já não tem efeito algum além do decréscimo no saldo – e então eles passam a me rodear. Nos momentos em que questiono a humanidade, nossa capacidade de sermos mais do que pessoas bonitas ou feias, a existência de um método para se sentir verdadeiramente vivo. O resultado não poderia ser mais desastroso. Devastador. A tragédia das relações humanas notívagas.

Às vezes falo com alguns que, depois, me procuram na internet. Adicionam nas redes sociais, puxam papo, fazem perguntas, e quando vejo não estou em uma conversa, mas em um inquérito. Pacientemente, respondo. Algumas vezes, leio as mensagens na tela e espero uns dias para dizer o quanto ando ocupada, sem tempo para internet. Em outras, simplesmente não falo até que venha a próxima indagação. Eles demoram a desistir, sempre têm uma maneira a mais de importunar. Dou corda para ver até onde vão e até onde eu posso ir. Quanto interesse preciso fingir, quanto desinteresse posso mostrar, o quanto posso ser rude, o quão diretas, ou curtas, ou mentirosas, podem ser minhas respostas – o quão ignóbil eu posso ser e ainda ter um homem atrás de mim – quanto tempo eles levam para perceber.

Nunca aconteceu de valer a pena. Eu me acostumei a um padrão alto – todos que já dormiram na minha cama mais de uma vez são homens que vão além do óbvio. Estabelecemos outro nível de relação interpessoal. Experimentei com eles o gosto de ser o que sou, na maior medida em se pode ser o que se é na presença de outra pessoa. A surpresa de arrepios e batimentos irregulares. Ouvir e falar. Corações calmos. Com o resto, homens que na verdade não são homens, o êxtase é improvável ou impossível. Fica fácil rir, deprimir-se, perder a fé e a paciência, minha xícara transborda e eu sigo enchendo.

Numa noite, um veio até mim e perguntou se eu emprestaria um cigarro. Em algum momento, tirou o chapéu, pôs os cabelos para trás, e eu pude ver o quanto era bonito. “Emprestar?”. “É”, ele disse, “no dia do juízo final eu vou te devolver”. No mínimo profético, o nome dele era Ítalo. O sofá vagou, nós sentamos e falamos sobre linguagem, as potencialidades e as restrições, sobre sensações, sobre como pensamos e traduzimos o mundo, a realidade. As horas passaram, a noite acabou. Ele não pegou meu número, eu não peguei o dele.

(N)o final, é sempre só sexo. Ou nem isso.

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