O óbvio não é evidente.
O que procuramos determina o que é óbvio – o que queremos ver, muito menos do que o que está à nossa frente. E o que vemos e queremos ver depende de algo tão impreciso quanto um desejo. O abismo do caos. Nada é o que parece ser. Nada é o que é de verdade.
O que procuramos determina o que é óbvio – o que queremos ver, muito menos do que o que está à nossa frente. E o que vemos e queremos ver depende de algo tão impreciso quanto um desejo. O abismo do caos. Nada é o que parece ser. Nada é o que é de verdade.
***
A gente tem essas conversas como se fosse algo palpável,
mensurável. Como se fosse possível determinar sentimentos a partir de uma
escolha de palavras ou de um conjunto de ações banais.
Não é assim, eu digo pra ela. Porque a pessoa disse A então
ela quer B. Isso não existe. Talvez às vezes até seja o caso, mas a menos que a
criatura te diga com todas as letras não tem como inferir desse jeito.
Mas não adianta. Na prática, a gente vê o que quer.
Quando ele foi embora, guardei algumas coisas no fundo dos
armários e das gavetas, onde meus olhos não alcançassem. O que os olhos não veem o coração não sente. Nunca um ditado brega
fez tanto sentido. É a mesma lógica. A gente escolhe não ver pra não sentir,
mas quando queremos sentir vemos qualquer coisa. Inclusive o que não está ali.
- Porque nós não deixamos as coisas claras uns para os
outros eu nunca vou entender.
- Ah, por medo. Medo de falar, medo de ser rejeitado.
- Mas não faz sentido. Quer dizer, antes de falar tu já vive
na rejeição – ela só não foi verbalizada.
- Pois é.
- As pessoas têm medo de palavras, então. De ouvir. Isso é uma
estupidez.
- Não necessariamente das palavras, mas do que elas vão te
fazer sentir.
- Mas aí que tá – tu já sente isso. Tu já tá nessa situação.
Antes de ouvir uma rejeição, tu já não é nada.
As coisas precisam ser ditas.
***
Tenho isso, às vezes, de pensar na vida como um mapa. Uma
cartografia de existências. Cada um deixa atrás de si uma linha
pontilhada de idas e vindas, encontros, paradas, saltos e quedas.
Tantas linhas passam perto uma da outra, sem chegar a se cruzar.
As pessoas com quem não esbarramos na calçada. A colega para
quem você pensou em dizer “não sei, tem alguma coisa em ti que eu gosto, acho
que a gente se daria bem”. O idoso que sentou ao seu lado no ônibus e que teria
gostado de te contar uma história se você não estivesse de fones de ouvido. A
mensagem que não mandamos. A pessoa para quem não dissemos oi.
As linhas passam perto – bastava olhar para o lado –
mas não se cruzam.
E outras tantas se encontram sem seguir juntas. Podem andar lado a lado por um tempo e ali adiante voltam a se separar. Existe
pelas pessoas que não chegamos a conhecer certa nostalgia do não vivido, mas as
que conhecemos e perdemos – talvez entre elas vivam nossas tristezas
mais profundas. Tudo o que poderia ter sido e não foi.
Linhas que se separam. Jardins que se bifurcam.
***
- O que tu vê, afinal?
- Eu vejo o medo.
O medo de falar demais e o medo de não dizer nada. O medo de
deixar o tempo passar. O medo de não perceber que estava ali o tempo todo – só você
não viu. O medo de que a sincronia deixe de existir e em breve estejamos de
novo em tempos diferentes. O medo de olhar nos olhos e dizer: é isso que eu
quero.
Não é óbvio?
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