Eu queria acreditar que sim, as palavras mudariam
tudo.
Parou aí, daquela vez. E lá
se foram dois meses. E aconteceu exatamente assim – as palavras mudaram tudo.
Foram ditas, ganharam vida, ganharam o mundo. Mudaram tudo.
Só esqueci que não
necessariamente elas mudariam tudo da maneira como eu gostaria. E aconteceu
exatamente assim.
***
Tem aquelas coisas todas
de viajar de ônibus – não ter muita escolha quanto ao horário da viagem ou quem
vai sentar do lado. De repente a rodoviária nem vende mais passagens e é
preciso ir até a cidade vizinha. Com outro ônibus. Nenhum poder de escolha, mas
sempre a mesma expectativa: três horas para ler, dormir ou pensar. Três horas
inteiras.
Não sei se era uma
montanha. Não domino os critérios de classificação geográfica. Mas fiquei
pensando que a menina que eu fui não caberia em si de felicidade com tanto mato
no pátio dos fundos. Porque era o que eu mais gostava. Brincar no mato. Nem me
ofendo quando as pessoas dizem, “bicho do mato”. Sempre fui.
E do outro lado a lagoa.
Imagina aquela lagoa nos fundos de casa. Algumas das casinhas tinham um pequeno
píer. Os barcos atracados. Crianças ali nadando. Imagina. “Mãe, terminei o
tema, vou pra lagoa”. Que sonho.
É sempre assim que começa. Quando começo a sonhar acordada.
Se um dia eu tomar uma
decisão, dessas pra mudar tudo, vai ser a de morar perto do mar. Sentar na
varanda de frente pra água. Dar uns passos e estar ali.
***
As palavras.
Me disse tudo aquilo.
Alguém realmente me disse aquelas palavras.
Tenho a tendência de
achar que não é nada demais. Não é tão bom assim. Ninguém prestaria atenção. E
quando alguém elogia deve ser por educação.
Será que posso ter esse
tipo de impacto nas pessoas?
Bom, eu tive. E as
palavras ganharam vida. Escrever – conceder o sopro da vida. Tudo mudou.
***
E Marte? Qual vai ser a
primeira geração a ver alguém em Marte? Imagina o Bowie. Mas, pensando bem, que
bom ele não estar aqui pra ver isso. A fantasia da vida em Marte se baseava
justamente no fato de que não seria a nossa. Porque essa existência e essa raça
merecem o fracasso ao qual estão fadadas. E num futuro já vislumbrável
estaremos destruindo outros planetas além do nosso. Que sucesso.
Acabar com um planeta.
Pensa na magnitude disso. Inviabilizar a vida não em uma cidade, no entorno de
um rio, em uma região específica de conflitos, mas em um planeta inteiro. A
espécie que vai causar a própria extinção. Quem mais seria capaz disso?
E enquanto não chegamos
lá ficamos aqui, literalmente se matando. Por dinheiro. Porque uns
acreditam em Deus e outros não. Por quem
transa com quem. Por crenças e visões. Esquerda, direita. É de uma mediocridade, de uma estupidez.
Tem o que
valha a pena, mas no fim das contas é isso: a gente merece acabar. E bom seria
se isso acontecesse antes de estragarmos todo o resto.
***
Tudo mudou porque me
disse o que disse e sumiu. Não que antes fosse uma presença constante ou alguém
que de fato fizesse parte da minha vida. Não era. Mas na minha cabeça o efeito
seria justamente o oposto – nos aproximaríamos. Que outro traço em comum
poderia unir mais duas pessoas?
É específico demais. É
raro demais.
E ainda assim foi o que
aconteceu: o pouco contato de repente era nenhum contato, as respostas mais ou
menos evasivas se tornaram respostas de uma palavra só, sem mais como foi o fim de semana ou como estão as coisas.
Depois da enxurrada que
fez meu coração disparar – nada.
***
Esses dias passaram e
deixaram uma atmosfera estranha. Uma energia diferente no ar. Quando foi que eu
comecei a prestar atenção nessas coisas? A de fato ser capaz de sentir uma
“energia diferente no ar”? Essa sensação que às vezes surge, sem motivo, sem
explicação. Out of the blue, mesmo.
Adoro essa expressão. Teria a ver com o céu?
De repente no meio da leitura estou lendo frases soltas. Sem unir o
conjunto em uma narrativa com sentido. Porque me lembrei do vazio que ficou lá, à minha espera.
Voltar é sempre estranho. Nenhuma outra palavra.
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