Não escrevo aforismos porque não tenho certezas. Nem uma
delas sequer. Pobre leitor ingênuo, que lê em busca de um sentido. O
sentido não existe, como não existe a própria coisa para a qual se busca
sentido: é tudo imaginação.
O jardim de inverno viu tudo o que ninguém mais viu. Visto dali, o céu era mais próximo. Entre janelas acesas, copas de árvores, faróis e os sons da noite da cidade, distante e ao redor. A bolha que resguardava a dimensão paralela do tempo em que podíamos ser.
O cheiro de erva e a fumaça ganhavam o vento frio e nos inundavam de infinito. Nenhum outro lugar é capaz de nos manter em segredo.
- Tu não tem ideia, noção do quanto eu queria ter te conhecido antes.
Antes, quando nós poderíamos existir.
- Tu não te sente mal?
- Eu me sinto muito mal.
- Eu também.
- E ao mesmo tempo não tem outro lugar no mundo que eu gostaria de estar.
- Só aqui.
- Só aqui.
Se alguém voltasse - em busca, talvez, de uma chave esquecida -, estaríamos fadados à inexistência. A mais uma inexistência, entre as tantas em que já vivíamos.
- E se a gente ficasse aqui, e fingisse que o tempo não existe?
A fantasia de parar o tempo que tanto nos ronda. Nós - aqueles para quem o tempo em que vivemos não dá conta da nossa própria realidade. É preciso mais. Um espaço temporal em que seja possível viver o que a realidade não permite, uma fenda no próprio tempo que permita a vida não vivida. Essa dimensão comportaria todas as histórias sem final, todas as histórias que sequer aconteceram, toda a imaginação que nasceu morta, engolida por um mundo sedento de realidade e sentido, sangue nos olhos em busca da verdade dos fatos.
- O que tu vai dizer?
- A verdade.
- ...
- O que é a verdade se não o outro lado da mentira?
O outro lado. Como ouvir de novo uma voz pela primeira vez. Ninguém pode ver como eu vejo. Ou sentir o amor que foi mentira em tempos de verdade. Existe o ontem e já não existimos. Como ouvir sem reconhecer a voz que falava tão perto: sinta agora. Pobre leitor ingênuo, que acredita no tempo absoluto.
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