8 de janeiro de 2014

a província

Ué, cansou?
É, por aí. Não fisicamente.
...
É tudo igual aqui, né. As festas. Qualquer lugar que tu vá, qualquer bairro, nas faculdades: tocam as mesmas músicas, pro mesmo tipo de gente, vestindo o mesmo tipo de roupa. Vai dizer. Não tem nada diferente.
Ele botou a ênfase na palavra quando falou, como se para ressaltar ainda mais o que era óbvio, era tudo igual. Mudavam comportamentos, algumas dinâmicas de noite conforme o lugar, mas a essência era mesma. Na província, tudo é provinciano.
Eu sempre tive um pouco de medo disso, na verdade.
Do quê?
Disso, de ser uma dessas pessoas. Igual a todas as outras, vestida como todas as outras. Sabe? É como se eles não fossem além daqui.
E não vão, né.
Tu foi.
Por que tu não te muda também? Qualquer cidade tem uma vida mais pulsante que isso aqui. De repente é o que te falta.
Ah, os vícios de linguagem. Alguns nunca se perdem. Antônio percebeu, mas não se corrigiu, e ela percebeu também, mas tampouco o corrigiu, e os dois sorriram em meio àquela pausa gramatical. Do parapeito interno onde estavam, via-se a rua vazia. Lá fora era silêncio e vazio.
Não te escora na janela, vai que esse troço abre.
Porra, nem minha mãe diria isso.
Tu não sabe quantos anos tem esse prédio. Nem em que estado tá essa madeira. Não é impossível.
Cara, olha essa música.
Vai tocar pelo menos mais umas duas vezes.
Hah. Meu deus. Eu me esqueço de como é por aqui, às vezes.
É bom esquecer o que a gente não gosta de lembrar, né.
Meu passado me condena, definitivamente.
Quando tu for um escritor célebre, além de conhecido, depois de ser famoso, eu vou vender essas informações. Cada uma delas.
Tu vai sair daqui pra fazer isso?
Não sei, talvez.
Ir ou ficar era ao que se resumia boa parte da vida, ao menos enquanto ainda se fosse jovem o bastante. O que é uma capital sem importância? Chega-se fácil ao ponto de sentir vergonha. Longe dos cenários que estampam a imaginação. Antônio coça os cabelos, entediado. Ele  foi. Escapou de ser incógnito aos olhos da vida.
Outra ceva?
Tu sabe que não vai conseguir o que tu quer se continuar aqui.
Eu sei é que os lugares pra onde eu iria não são viáveis.
Tem que começar por algum lugar.
E o livro novo?
Tu não muda, né.
Não era um sonho roubado. Era mais um sonho dividido. Sonhado pelos dois, vivido só por um. Enquanto Antônio levanta para pagar por uma última cerveja, ela espera, ainda no parapeito, pensando em como fazer para não estar quando batem na porta. Por que escolher a solidão? Ele volta sem os copos.
Vamo embora, isso aqui tá um saco. E eu tô com meu livro novo lá em casa pra te dar.

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