19 de dezembro de 2013

o calor

O calor que fazia naquele dia de dezembro era opressor. Como se a massa de ar quente e abafado que se espalhava por toda a cidade, ao entrar em contato com o corpo, pressionasse-o contra si próprio, como quatro paredes que diminuem de tamanho até que não se possa mais se mexer ou respirar. O nariz sangrava ar quente e poluído em excesso, e era preciso andar com um tufo de papel higiênico para que o sangue não escorresse. O calor oprime. Não há senão o movimento mecânico de caminhar e o suor, e a cidade ao redor é um borrão de verão. O incômodo da tagarelice aguda das pessoas esperando para atravessar a rua grudadas às suas costas, deem um passo para trás, ninguém chega antes por um passo.

Você pode se afastar um pouco? Está quente, e tem bastante espaço na calçada.

É bom manter a distância.

E quando o sinal abre e os segundos verdes começam a contar, não há de novo senão o mesmo movimento mecânico outra vez. Enfim se afastar da tagarelice das pessoas grudadas às suas costas. Pareceu uma eternidade. E o carro que vinha pretendia furar o sinal, mas bastava seguir em frente. Um passo depois do outro. Reto rumo a qualquer lugar longe de qualquer lugar. Foi o canto dos pneus em uma freada brusca que só os outros ouviram. Não foi um atropelamento, mas antes tivesse sido.

E se existir uma vontade de morrer? É possível que seja real?

Desejo de não estar, não mais, traduzido pelas batidas insistentes em uma porta que não abre, pela inércia de um corpo que agora é só corpo, na ausência de certeza.

O silêncio, constrangedor, caía sobre a sala como uma onda, preenchendo todos os espaços entre as dezenas de bocas que permaneciam fechadas e olhos que se agitavam nas órbitas procurando um refúgio na cena. Um quê de decepção estampou-se no rosto do homem à frente que, em um só tempo resignado e persistente, como que para punir os semelhantes calados optou por prolongar o sofrimento e seguiu falando. Nada mudou quando a porta foi aberta e todos passaram por ela sabendo que não voltariam.

Você pode me desculpar? Falar não é do meu feitio.

A água quente escorrendo sobre as duas cabeças, percorrendo os corpos colados. De quando em quando, gotas esparsas insistiam em desobedecer o fluxo e correr vagarosas, deslizando por uma bochecha, um ombro, prendendo-se nos pelos do peito de um, demorando-se a descer entre os seios de outra. Silêncio, abraço e silêncio. A sequência de que dependia aquela união era a mesma que separava. Chuveiros são bons porque não deixam ver as lágrimas.

Você pode levar isso? Eu não quero olhar pra isso todos os dias.

É bom não ver.

Na rua, o calor daquele dia de dezembro era opressor. Cada passo, dado pela única intenção de sair do lugar, era um passo morto, e o lugar permanecia o mesmo. Mantinha-se; mantendo sentimentos e também desejos. Na esquina, o aglomerado de esperas. Não foi desatenção o que só os outros ouviram. O barulho surdo, segundos em que o mundo deixou de ser mundo. O sol e o asfalto e o gosto de sangue. Andar, até que não se possa mais se mexer ou respirar.

Você pode sair de perto de mim? Está perto demais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário