11 de setembro de 2012

a poeira

Eu respiro.
Nos cantos, o parquet está coberto de poeira. Como as prateleiras do corredor. Sobre os livros, em cima da geladeira, na estufa fora de uso e no abajur da mesinha.
As células mortas de pele: somos a poeira.
Do pó viemos. Ao pó voltaremos.
Todas as profecias.
Tive vontade de voltar, mas não para ser o que éramos antes; quis que voltássemos para ser o que somos agora. Em algum lugar, nós ainda existimos - porque somos nós, sempre fomos nós. Não eles, não outros: nós.
Tudo o que nunca aconteceu.
A vida.
Essencial e eternamente desencontros.
E tudo era assim.
Centenas de coisas.
O imaginável e o possível.
O abstrato e o concreto.
O mundo e o mundo que eu vejo.
Deixa eu te contar uma história.
Amores platônicos.
Cinquenta anos de futuro sonhado.
Nossa pele formando a poeira que respiramos juntos.
Nosso filho.
Nossa casa na praia.
Muito longe.
A espera ansiosa pelas palavras novas.
Um chocolate e um livro.
Dançar, dançar, dançar.
Toda a superficialidade do mundo.
E no caminho de volta eu poderia fechar os olhos, os passos repetidos nas mesmas ruas, e nas mesmas calçadas das mesmas ruas, o frio de quase todas as madrugadas. As chaves, portas, trancadas, pijama, espelho, demaquilante, escovar os dentes, copo d'água, despertador, dormir. De qualquer jeito, o baile segue. Sinto a tristeza macia, e ela me provoca. E por que não é forte o bastante para acabar com a minha força? E por que eu sou tão forte? E por que não um pouco mais de alegria? E por que não felicidade? E por que ser forte o suficiente para conviver com uma tristeza cínica mas não o bastante para ser feliz? Sentir o que ninguém sabe, na verdade, não é engraçado, não é coisa alguma. Quase sempre é nada, mas às vezes é o amargo que sobe a garganta e dá vontade de gritar eu não sou como vocês, eu sou o oposto de praticamente tudo o que vocês sustentam, vestem e sorriem, eu só estou aqui porque não sei em que outro lugar posso estar, por favor me entendam, por favor me deixem, pelo amor de deus parem de olhar pra mim.
E silêncio.
E o mundo é sempre o mesmo.
E eu respiro.
E eu sou a poeira.
E o chão continua empoeirado.

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