O melhor dos dias de chuva é isso, não é preciso esperar
nada deles.
Foi um dia em que eu nem acendi a luz. Mal dava para chamar
de claridade, a luz cinza que entrava pela janela da sala. Era só a chuva,
mesmo. Caindo pesada, com força. As copas das árvores balançando com o vento. E
o barulho dos pingos. Com o que se pode comparar o som de pingos de chuva? Uma
suavidade qualquer. Um ritmo de perto que leva para longe. Uma moldura ou pano
de fundo para os pensamentos que deixarmos chegar.
E tudo veio assim, em flashes. Fragmentos. Fios desconexos.
Pontas soltas de tantas histórias.
***
Um sorriso de cabeça baixa, como se sentisse vergonha ou
ficasse sem graça de responder sobre o final de semana em São Paulo. Ou o
sorriso aberto e entregue de quem diz “fui aprovado”. A companhia mais leve e
improvável que poderia ter surgido naquele fim de semana. “Vamos jogar?”
Uma mão no ombro quando vai chegando. E pergunta sobre o
livro que estou lendo e o trecho que acabei de sublinhar. “Gosto muito do
trabalho desse ilustrador”. Senta ao meu lado no sofá e fala sobre a semana que
vai começar. O respiro de uma tarde como aquela. Quem faz isso, hoje em dia?
Quem para e dedica cinco minutos do seu tempo sincera e inteiramente a outra
pessoa?
Escorado no balcão, a luz apagada. O ombro que se ofereceu
quando precisei chorar e queria esconder as lágrimas. Aquele abraço apertado
que foi um colo e me envolveu como se dissesse: chora. Nunca precisamos de
muitas palavras. Tanto que eventualmente não sobrou nenhuma. “O que a gente tem
já é pra sempre.”
Vestígios de um menino que não conheci na expressão mais
doce que me lembro de conhecer. As mãos folheando meu livro. Inclina levemente o
queixo para a esquerda e me dá um sorriso divertido: “Quase, mas ainda não é
bem isso”. Rio, porque sei que não é nada disso e ainda estamos longe de quase.
“A negação não nos leva a lugar nenhum.”
***
Gotas escorrendo pelos vidros da janela. A chuva segue,
indiferente, e de repente entendo que sinto inveja dessa indiferença. A chuva é
– existe e acontece independente de qualquer história. A água atinge o chão, e
pouco importam as vidas que correm sobre ele. Destinos paralelos que neste
exato minuto pensam em conjunto:
chove.
As lembranças são um composto de tempos. O que já foi e o
que é temperado pelo devir, pelo que eu gostaria que fosse ou tivesse sido. Um
vislumbre de eternidade, todos os tempos unidos em um mesmo fragmento. Tão
rápidas e efêmeras quanto os pingos de chuva – vêm numa enxurrada breve e de
repente não existem.
São pequenas distâncias. Sabores do que não existe. De tudo,
guardo palavras.
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