Carnaval bom é na rua, com as pessoas pulando juntas a céu aberto. Não importa se vai chover ou não, se faz muito calor ou se poderia ventar menos. E carnaval bom é carnaval do povo, sem ostentação, sem trios, fantasias e palcos grandiosos. Gente como a gente e gente de todas as idades na mesma festa.
Mas sempre tem um blasé. Ou dois. Lá parados, com as mãos nos bolsos a não ser enquanto seguram uma cerveja, estranhos ao ambiente e às pessoas em torno.
Fazem o que aqui? Quem vem pro carnaval pra ficar parado?
Um era tão sério que dava medo; o outro, mais aberto, arriscava acompanhar a música de vez em quando. Usavam aqueles chapéus, formato fedora/panamá; hipsters, ou qualquer que seja o termo em voga.
Daí eu comecei a olhar pra eles. No início porque era engraçado ver as duas figuras: as únicas pessoas paradas em meio às outras milhares, olhando pra tudo como se diante de uma manifestação grotesca de um povo aborígene. E depois porque, entre uma música e outra e as horas que iam passando, me interessei por um deles, que, louco pra dançar, se soltava mais a cada cerveja. No fim, ele me mostrou, sambava melhor que quase todo mundo ali.
Vira e mexe eu olhava pro lado e eles tinham desaparecido. Um tempo depois eu olhava de novo e lá estavam outra vez. A uma dada altura eu perdi a conta, tanto das cervejas quanto dos olhares trocados. Flerte nunca foi o meu forte. Não tenho paciência pra ficar olhando e sorrindo de canto por muito tempo; assumo que a pessoa não quer nada e deixo pra lá. Por um motivo que ainda me escapa, porém, dessa vez foi diferente. De fato perdi a paciência, mas em vez de deixar pra lá fiz o que até então não me lembrava de ter feito: tomei a iniciativa, fui até o cara e puxei papo.
*
Não há por que se debruçar sobre amores de carnaval. Noites felizes que ficam de lembrança de uma festa de quatro dias, tão amada e odiada.
Eu poderia falar da minha ansiedade: da incapacidade de esquecer a manhã e continuar dormindo ao lado desse cara da noite anterior e o resto do mundo que se dane. Poderia falar dessa minha autoconsciência destrutiva, com a qual brigo todos os dias e que tanto emperra minha vida. Poderia, ainda, falar dele: ora faceiro ora entediado, às vezes me encarando outras olhando pros lados, o chapéu escondendo os cabelos e aquele arzinho blasé e doce. O gosto de cerveja, cigarro e noite nos nossos beijos. Gremista, o filho da puta.
Os amores de carnaval. Os melhores, porque pura potencialidade - tudo o que poderíamos ser e poderíamos ser tudo. Os melhores - acabam antes de começar, morrem antes de existir. E tantas camisinhas esquecidas sobre cômodas contam as histórias desses amores de raspão.
O mundo sempre poderia acabar na noite de um amor de carnaval, e talvez um dia acabe. Mas não há por que se debruçar sobre amores de carnaval; de outro modo, não seriam amores de carnaval.
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