16 de março de 2012

o beijo

Pousavam na cadeira vazia o silêncio e a ausência. Os caras com quem eu já me envolvi e os que eu mais amei até hoje nunca foram capazes de me beijar dessa forma. De me dar um beijo inimaginável e de doce imparidade. Um beijo perfeito. Um rosto de fora, que me encontrou quando a expectativa da noite era voltar pra casa, que não veio até a minha cama, que eu nunca havia visto antes e que não vou ver outra vez. Como se a boca tivesse sido feita de forma equivalente à minha, para que o encaixe fosse exato em qualquer posição do sofá de ângulo reto. Como se nossos beijos existissem um para o outro, entre sorrisos e covinhas alinhadas. Sem comparação, porque nunca houve um semelhante. E no universo imenso de sete bilhões de pessoas, o beijo dele fosse par ao meu. O beijo e cada detalhe presente no jogo de sedução que une homem e mulher; os gestos, os movimentos, o toque, a maneira de pegar, acariciar e abraçar. Irmãos das impressões digitais, beijos diferem entre si. Não poderá jamais haver dois iguais. E ao longo da vida as pessoas passam por uma série de encontros e desencontros em que esses beijos se cruzam, se adaptam, se ajustam ou não. Mas não se repete a chance de um beijo perfeito, e talvez ela nunca aconteça. Como se a vida, em um rompante inesperado e único, quisesse contradizer Platão e mostrar que no mundo real pode haver algo do ideal. Como se a vida, com essa manobra insana, quisesse me fazer acreditar que existe, solta no mundo, uma pessoa anatomicamente perfeita para mim. E a única coisa a ser guardada desse cara é um espaço de tempo curto, possivelmente menos de meia hora, em que esses beijos foram possíveis. Como não amar, só por uns dias, essa figura única, e ao mesmo tempo e de certo modo misteriosa, que se encaixou de forma exata ao meu corpo e à minha boca em um sofá desconfortável de boate? Perdão e respeito aos homens que em algum momento foram homens da minha vida, mas até ontem eu nunca havia sido beijada.

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