Me recebeu sorridente, perguntando dos meus óculos e dos meus chinelos. Tinha os cabelos mais curtos do que da última vez; agora estavam acima dos ombros, convidando uma tatuagem à nuca. Ela queria, me disse um dia, escrever dois versos da letra de uma música, não lembro qual, não lembro quais. Abriu o portão pra mim, nos cumprimentamos com um beijo no rosto, e eu tirei os óculos entregando pra ela um sonoro e também sorridente "e aí, guria!".
Entramos e ela me conduziu à sala. O sofá sem a manta que o cobria nos meses de outono e inverno. Me deixou ali, mapeando o ambiente e conferindo as mudanças que inevitavelmente vieram durante os meses em que estive ausente, e eu constatei, atônito, o que sempre soube, que a vida segue. Voltou com duas cervejas e sentou do meu lado, do jeito acanhado de sempre, o suficiente para encantar, o suficiente - sempre - para me convidar a chegar mais perto, estender meu braço ao redor do seu pescoço, trazê-la para o meu peito e assim ficar. Eu a olhava, declinando possivelmente pela primeira vez. E enquanto bebíamos e conversávamos pairava silenciosa entre nós a sensação mútua de que aquele tempo não havia passado. Entre nossas risadas, diante de coisas pequenas, era como se fosse antes, como se sempre tivesse sido.
Num repente, ela levantou e deixou a sala mais uma vez. Voltou com um pacote, o presente que eu havia ido buscar, sem nenhuma retribuição. De mãos vazias, e de algum modo doía em mim a certeza de que ela não esperava nada em troca. Estava ali, apenas. Satisfeita por me ver feliz com meu presente, e em uma risada gostosa trazendo de volta a lembrança de como fazê-la e vê-la rir costumava ser a melhor sensação do mundo pra mim. Zapeei de novo os canais da tv que eu já conhecia, e de novo sem encontrar nada de novo paramos no warner. Fumamos um, comemos panetone, e escureceu e as horas fizeram seu trabalho sem que nenhum de nós dois se desse conta. Ela sorria faceira, mas não estava chapada, tão poucas vezes ficava chapada. Estive a ponto de fechar o segundo, mas me levantei para ir embora.
Com uma ponta de decepção difícil de esconder, ela me levou de volta. O trajeto e a cena que já nos eram, àquela altura, demasiadamente familiares. Sem deixar de sorrir, me disse tchau no portão, perguntando qualquer coisa que eu não lembro. Como quem quisesse me segurar ali mais um instante, como quem diz fica, fica porque eu te amo. Eu não fiquei e fui embora nos meus delírios. E nos segundos que se seguiram a mais um dos nossos adeuses, dessa vez pairou silenciosa, no espaço que aumentava a cada passo que eu dava, a sensação de incompletude. E todo o amor do mundo ficou para trás outra vez.
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