Sonhos. Esse mundo da terceira vida fantástica. Ou nem tão fantástica assim, já que toda a fantasia dos sonhos sai da realidade. Uma mistura de imagens provenientes das memórias mais antigas embrenhadas no córtex visual e essa coisa toda. Eles dizem que a gente é disléxico nos sonhos. E já ouvi dizer mais: pra saber se é um sonho ou não, basta você ver se consegue ler ou não, se tiver oportunidade; nos sonhos, supostamente, nós não conseguimos ler porque a memória de curto prazo está desligada. Saber ler não me parece memória de curto prazo, mas eles dizem. Outra dia, inclusive, sonhei que falava com um carinha no msn - tempos de tecnologias, a gente já sonha com as pessoas através de um computador - e eu conseguia ler perfeitamente tudo o que ele me dizia. Lembro de ele ter dito que... Não lembro mais. Acho que falávamos de Santa-Fe, do Bob Dylan, que eu andei ouvindo muito esses tempos. Não sei. Mas eu lembrava direitinho no dia, logo que acordei. Então, se eu conseguia ler, e se quando a gente consegue ler não é sonho, foi o quê? O que acontece comigo nas noites em que eu leio nos meus sonhos? Eu sempre acordei no mesmo lugar até hoje.
Eu tava assim, divagando e especulando sobre sonhar, quando o telefone tocou. Era a secretária do meu médico, confirmando a consulta da manhã seguinte. Entendo o lado dela, mas será que existe quem, tendo conseguido uma consulta, falte? Conseguir marcar uma consulta e faltar é como passar no vestibular e não comparecer na matrícula: são no mínimo mais seis meses de espera. Só morrendo antes. Falando em faculdade, esses dias andei sonhando com ela. Eu estava lá parada e as pessoas ficavam passando por mim, em intervalos irregulares, uma de cada vez, e falavam coisas que me pareciam não fazer sentido nenhum. Eu não dizia nada, só ficava olhando e ouvindo. E as pessoas passando, passando e falando. Sei lá se esperavam resposta, o fato é que eu não as dei. Sonho bem assim, mesmo: sem graça, sem entusiasmo. Isso deve ser meu inconsciente tentando melhorar minha convivência com as pessoas - sem sucesso.
Pois é, eles dizem também que os sonhos têm essa função. Função? Sonho lá tem função agora? É, parece que sim. Como são baseados na realidade, eles meio que ajudam a resolver problemas, nos preparando para lidar melhor com determinadas situações ou adversidades. E, mesmo quando eles não são lembrados de manhã, o propósito foi cumprido, e nós aprendemos sem nos darmos conta disso. Será? Mas mesmo assim eu me chateio quando não lembro meus sonhos. Qual a graça se a gente não puder ficar imaginando coisas a respeito? Eles dizem que é psicológico: lembra quem acha importante lembrar. Olha, eu queria ter sido voluntária nas pesquisas que concluíram tudo isso. Eu leio nos meus sonhos e, embora sempre faça um esforço tremendo pra puxar de algum lugar o que eu sonhei enquanto dormia, não é sempre que eu consigo lembrar na íntegra. Sei lá, entende.
Noite tumultuada, acordei na manhã da minha consulta com flashes de sonhos diversos. O mais marcante deles, provavelmente o último, trazia uma árvore enorme, frondosa, sozinha num descampado. O céu era de uma coloração que ora parecia cinza, ora parecia azul - acredito que eram mesmo as duas cores misturadas. Talvez houvesse branco também. É. Possivelmente. E nada acontecia, com exceção de uns vultos irreconhecíveis que passavam de vez em quando. Eles dizem que o maior talento do cérebro sonhador é o de criar metáforas surpreendentes. Seria minha árvore uma metáfora? Não sei bem de que uma árvore poderia ser metáfora, falando francamente, mas se eles dizem.
Depois de uns exames muito esquisitos - médicos por si já são coisas bem esquisitas - ouvi do meu, um senhor de cabelos grisalhos - algum médico que se preze não tem cabelos grisalhos? -, que o meu caso era raro e esquisito também. Síndrome de qualquer coisa que eu não sou capaz de pronunciar e menos ainda de escrever. Em outras palavras, ele disse, com um sorrisinho sarcástico - médicos dão sorrisinhos sarcásticos agora ou só eu que nunca tinha percebido, talvez por nunca visitar um? -, eu vou parar gradativamente de sonhar. Pois é, cara, não é não lembrar. De forma pura e simples não vai haver mais sonhos nas minhas noites e quaisquer outras horas de sono. E agora? De que outro jeito eu vou aprender coisas sem me dar conta?
Existe, eles dizem, o falso espertar, quando a gente sonha dentro do sonho, acha que acordou mas ainda está dormindo. E sonhando. Sei lá, eles dizem muitas coisas.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário