18 de setembro de 2019

ninguém vê nada


Meia hora se passou sem que eu dissesse uma palavra. Ela estava esperando, contudo. Por algo. Um sinal. Um começo. Um ruído qualquer. Um fio de história que ela pudesse puxar.

Nada.

- Não tenho mais o que dizer.

Meus olhos encaram o vazio.

Tenho vontade de rasgar o fluxo do tempo e desfazer todas essas distorções. Calar todas as bocas. Interromper todos os pensamentos e o curso de uma vida que não é a vida certa. Que mundo é esse em que todas as distopias parecem plausíveis?

Elenco desgraças desejáveis e assisto aos absurdos que desfilam ao meu redor. Não tenho ânimo de me insurgir contra nenhum deles. Ela esperava mais de mim. Ela sabe que eu poderia mudar tudo por nós duas e por isso a mágoa.

- Por que você não faz nada? – me pergunta.

Eu não sei.

As ondas do tempo explodem, os dias se repetem, um segundo substitui o outro. Estamos em um carrossel ou em uma roda-gigante – qualquer coisa que gira sem sair do lugar. O mundo passa diante de nós e do alto podemos ver o horizonte. A borda de um buraco negro é chamada de horizonte de eventos.

Desço e caminho, mas por mais que eu ande há sempre um limite, uma barreira que não consigo ultrapassar.

- Sozinha eu não vou conseguir – digo a ela.
- Você sabe que não pode contar com mais ninguém – ela retruca – somos só nós.
- Eu sei.
- Não é exatamente estar sozinha.

Quando no fim da tarde o céu muda de cor, as primeiras estrelas despontam para nos lembrar: o que vemos não existe mais. Olhar para o céu à noite é enxergar o passado. De frente, nos olhos. São as estrelas os olhos do passado. Outros mundos foram possíveis, outros mundos ainda serão.

Já não falo com mais ninguém. Desapareço todos os dias: em meio a uma vida que não é minha, em meio a palavras que não são minhas. Meu é o silêncio, minha é a solidão.

- Até onde vamos com isso? – pergunto.

Ela sabe, mas não responde.

Qualquer que seja o final, o carregamos conosco desde o começo. Trazemos a morte no peito no momento em que viemos à vida. Eu só queria mais tempo para conversar. Para descobrir os mundos que se perdem em reuniões, séries, mensagens virtuais e vídeos efêmeros. Um dia para exibir um fragmento inútil de vida. Somos feitos de fragmentos e assim nos apresentamos ao mundo. Ninguém vê nada.

Sete bilhões de pessoas. Todas paridas por uma mulher. Na rua, a vida segue – à margem de tudo.

- Vai ser assim até o fim.

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