21 de abril de 2017

Giordano, Borges e Bruno

Andou à procura sem jamais encontrar. De Nola ao Acre às esquinas míticas de Buenos Aires. E como poderia? Ao contrário do tempo e do universo, o mundo é finito - mais cheio de limites do que as mentes de cada um deles. Poderia vagar até que lhe não restasse mais tempo, e não encontraria coisa alguma. Porque o que procurava não poderia ser encontrado aqui.

O primeiro foi queimado por acreditar em mundos e eternidades plurais. O segundo escreveu mundos e eternidades. E o terceiro, sobre quem pouco se sabe de fato, talvez esteja atrás desses mundos.

***

"Vivemos em um mundo imaginário", ele me diz no Skype. 

Senta ao meu lado todos os dias: dividimos o espaço ocupado por duas mesas e a cumplicidade que nasceu da convivência silenciosa. Nos entendemos com poucas palavras.

- Olha esse site: libraryofbabel.info

Pausa. Vejo enquanto ele digita qualquer coisa. Depois, na minha própria tela, as palavras surgem: Sergio está digitando...

- O que que é isso? O que tá acontecendo aqui? Que loucurA

Na representação virtual da biblioteca criada por Borges, a possibilidade de buscas infinitas. Nas infinitas galerias hexagonais de quatro estantes. Cada estante possui cinco prateleiras e em cada prateleira temos 32 livros. Todas as combinações de letras e palavras possíveis. 

- O que tu acha que aconteceu com ele? - eu pergunto.

- Com ele quem?

- O Borges do Acre.

Ele ri. 

- Não sei. O que tu acha?

- Eu acho que ele tá na Biblioteca de Babel.

Ao nosso redor, as pessoas digitam e conversam. Prestando atenção, é possível ouvir o desritmo dos cliques incessantes de pelo menos dez mouses diferentes. Somos bons em imaginar mundos e possibilidades em meio ao banal. 

- E sabe o que é mais incrível? Tudo o que ele escreveu nos livros e nas paredes já estava na Biblioteca antes mesmo de ele escrever. Tudo o que a gente diz e escreve já está lá antes que a gente diga ou escreva. Todas as palavras já ditas ou escritas por todas as pessoas que já viveram e por aquelas que ainda vivem - todas as palavras que serão ditas ou escritas por todas as pessoas que viverão no futuro: elas também já estão lá. 

- Sua Giordana Bruna!

- Sou mais Borges.

Rimos de novo. 

Ao final do dia, sabemos o que o olhar de despedida significa: aonde chegarão os que pensam igual senão ao ponto onde já estamos?

***

A busca na Biblioteca talvez nunca termine. Basta que as palavras sejam possíveis para que existam - e estarão lá. A transformação do universo não cessa, e a certeza de que tudo está escrito faz de nós fantasmas.

A galeria onde Bruno está tem vista ampla: todas as galáxias, planetas e estrelas que pintam o universo, os lugares escondidos do mundo, Nola, o Acre, as esquinas de Buenos Aires, o escritório na Independência onde dois colegas especulam sobre o paradeiro de um acriano, todo o passado e todo o futuro. 

A infinitude do universo e da Biblioteca é a mesma que nos cerca. Como em qualquer oura, não seria possível colocar um fim nessa história. Embora ele agora procure no lugar certo, não nos é dado saber se encontrará ou o que encontrará. A menos que busquemos, também, nós mesmos.

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