As flores murcharam. Sobre a poeira acumulada dos dias, descansam livros e anotações perdidas. Há correntes de ar que atravessam a sala e sussurram linhas de um poema que não sou capaz de ler. Do rádio, soa a única sequência de músicas possível para mais um mês de maio. Nossos corpos no litoral desabitado. Nossos corpos de outono. Trocando energias que jamais voltariam a pulsar.
Na última vez, juramos sinceridade. Pouco importa se a mentira é para si ou para o outro: está tudo bem. Enganamo-nos quando dizemos a verdade, mentimos sendo sinceros, acreditamos porque é a única possibilidade. Entre mentiras honestas e falsas verdades, jamais vivemos o melhor um do outro.
Acredita que estivemos lá? Que deitamos na areia e dissemos aquelas palavras e fizemos o que fizemos? Passam anos como décadas. Mas são as mesmas canções, em vão repetidas e repetidas de novo, que vêm para lembrar que sempre fomos uma mentira. O que acontece com as palavras, que tantas vezes insistem em soar melhor em outra língua? Você é capaz de me traduzir?
Dias demais vividos à base de nada. Horas que jamais deixaram de ser uma promessa. Nada de bom é capaz de sobreviver aqui, nada de bom poderia nascer de duas pessoas tão detestáveis. Nenhum de nós vale nada, e seria bom que o mundo soubesse. Já não é perspectiva de amor o que nos falta, mas capacidade de amar. É possível apenas existir? Passar os dias sem aspirações, esperando pelo fim. O que eu poderei dizer no momento derradeiro é o mesmo que ainda posso dizer agora. A vida é carregada de ironias, e algumas delas doem como o quê.
Há uma brisa lá fora e algo nela que acompanha meus passos. A Ipiranga passa como um borrão, e o vento sopra pra longe os vestígios de passado. Tanta energia despendida em vão. No fim, quando as flores murcham vem o alívio - chega de lutar contra o impossível. Batalhar por um momento a mais numa vida que não vai durar.
Sim, sou eu do outro lado da rua. E, pela primeira vez, não tenho nada a dizer.
16 de abril de 2016
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