Demorou para eu perceber que breve significava muitas coisas, menos um espaço curto de tempo.
Esperei por aquele dia como quem espera por uma festa qualquer, e até poucos minutos antes sequer tinha decidido o que vestir. Não tá frio, não tá quente, posso usar uma meia calça e levo um casaco. Lá dentro vai estar cheio, não vou passar frio. Esse vestido, pode ser. É na hora de sair que vem a ansiedade. Faz tempo. O que vamos dizer, depois de tantos anos? Nunca mais vimos a cara um do outro. E se não houver o que dizer? Vamos nos encarar? Desviar o olhar?
Chovia, mas os cabelos nunca importaram. Na medida em que o táxi avançava, olhava para as luzes dos postes - passando, uma após a outra, como todos os dias. Fugazes demais para serem percebidas em detalhe, mas ao mesmo tempo únicas, cada uma nos segundos e no espaço da cidade que lhe compete. Agora não tem volta, e eu não me perdoaria se não fosse adiante. Sempre em frente, ainda que retrocedendo de quando em quando.
Pedi uma cerveja e sentei no balcão. A solidão nos balcões tende a ser mais aceitável e mais fácil de aturar que a de uma mesa. Não recorri ao celular. Em vez disso, olhei para as paredes, onde quadros com imagens e frases misturavam-se a luminárias aqui e ali. As mesas foram ocupadas, e grupos de pessoas muito parecidas umas com as outras somavam à musica o som dos copos, das conversas e das risadas altas demais. Não era possível distinguir nenhuma frase inteira, no máximo palavras - show, amanhã, domingo, eles, essa música, mais uma.
Ele chegou na segunda cerveja. Começou a circular entre as mesas, cumprimentando conhecidos. Não sei se não me viu ou só fingiu não ver. Terminei o último copo e levantei para ir - ao banheiro? Qualquer lugar longe dali. Na rua, a chuva havia diminuído. Mais uma vez, olho para a luz dos postes. Agora em detalhe - como os dias enquanto ainda não passaram por completo. Penso em simplesmente sair andando. Virar a esquina e nunca mais voltar pra essa cidade. Como se fosse possível evitar um encontro inevitável.
Penso em quão ridículo e inexplicável era tudo aquilo. O simples fato de eu estar ali. Quando me viro, ele está ao meu lado. Dessa vez, me vê. Ou não é possível fingir que não. O reconhecimento vem aos pedaços. Demoro a perceber que a voz é a mesma. Assimilo em partes, uma a uma, e não por inteiro. O rosto, em seguida os cabelos e por fim os gestos. Pergunto se está nervoso, falamos brevemente. Não para de se mexer e de olhar para os lados. Me agradece por ter ido. Toda aquela linguagem corporal. Traços que o passado conhecia tão bem e que o presente demorava a entender como algo conhecido.
A mistura de luzes e sons foi única. Memorável. A suavidade das melodias em contraste com a intensidade com que ele tocou e entoou cada uma. Senti lágrimas breves nos olhos. A felicidade de ver feliz. Como algumas sensações, que bastam por si próprias, músicas são difíceis ou impossíveis de se descrever. Porque nunca vêm sós: há sempre algo mais. Uma lembrança, um sentimento, uma maneira de chegar aos ouvidos e ser absorvida pelo corpo que é singular e escapa às palavras.
Ao final, me afastei, deixando que o rodeassem todos os que estavam ali e queriam dar um abraço, dividir congratulações e palavras de carinho. Voltei à rua e fiquei - buscando um significado inexistente, tentando alcançar algo há muito fora de alcance. Despediu-se de mim com aquele nos falamos em breve. Nenhum amor deveria durar até acabar, e talvez os melhores sejam exatamente os que acabam. No mais, é só o silêncio. Em cada música, todos os dias.
12 de janeiro de 2016
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