1 de março de 2013

o amor

Só mais uma convenção, como tudo na vida, como tudo em sociedade, a sociedade é uma obrigação, ninguém vive em sociedade porque quer. Faz sentido. Mas não. As pessoas, nossos colegas, nossos amigos, essa noite, esse momento, isso é bom, não é? Mas ele não disse que era ruim, ele só disse que é uma obrigação. Uma parte de mim é assim, o inferno são os outros, e outra parte de mim é assim: o inferno sou eu.
Ele costumava ser uma boa companhia. Sabia rir, sabia conversar, sabia não se levar a sério. O problema é que sabia não me levar a sério também. Um poste, um apêndice, um avestruz a tiracolo. Como se não pudesse falar. Minha boca ensaiava as palavras, mas se sobravam palavras faltavam razões para dizê-las. Como é possível que eu ainda queira dizer algo? Nunca tive uma resposta, nós nunca conversamos. Mas sempre há o que dizer. Me liga, quero saber como foi teu dia, dizer boa noite. Quanto mais as pessoas me ignoram mais eu vou lá e falo com elas. O fim. Mas eu quero fazer uma coisa antes que o mundo acabe. Não, agora já passou, não acaba mais. Mas acaba um dia.
E eu me sentia ridícula quando pensava nisso, quando ia lá falar com ele. E também me sentia ridícula quando pensava na gente dançando. Tentava imaginar como seria, porque além de nunca conversar nós também nunca dançamos, e sentia vergonha e me sentia ridícula. Ele exercia esse tipo de força sobre mim, essa sensação de ser ridícula. Extremamente ridícula. Talvez por causa da postura, meio distante, meio independente, meio te-amo-mas-não-me-importo. Ele sempre disse que nunca soube com aquele tipo de situação, que nunca ia saber lidar. O que é uma tremenda idiotice, porque a questão nunca foi saber ou não saber. Ele nunca quis. E mesmo assim eu me sentia ridícula. Minha imagem no espelho no fundo do bar, meu rosto não atraente, o balanço arrítmico e desengonçado do meu corpo – patético, um desastre em forma de ser humano. É isso o que você é.
Quantas vezes tu já amou? pergunta o cinquentão fora de forma bebendo cerveja em taça de vinho. Não sei, eu digo. Não, tu sabe, sim, no fundo a gente sempre sabe. Como eu posso saber? Eu posso conhecer alguém hoje ou daqui a um mês e me apaixonar e descobrir que antes não era nada. Não, a gente sabe quando ama. A gente sente. Um velho completamente aleatório. Que depois de dez minutos começou a me deixar cada vez mais desconfortável, parado ali, de pé do lado da minha mesa, bêbado, falando sobre o amor perdido da vida dele. Que se dane o seu amor perdido, senhor, eu não dou a mínima. E que diferença faz quantas vezes eu amei se em nenhuma delas eu fui amada. Vou dizer de novo, senhor: eu não dou a mínima.
Existe uma falha fatal por trás dessa lógica do amor. Esse nosso amor. Ou será o amor que eu já tive? Mas não existe verdade, existem percepções. Catorze bilhões de olhos de diferentes lugares olhando para o mesmo lugar. E nenhum deles é capaz de ver o que eu vejo e eu não sou capaz de ver o que eles veem. Eu minto todos os dias. A beleza da solidão não se deixa ver assim, fácil. Demora. E enquanto isso eu me olho pelos olhos dos outros e não vejo nada. Mas como possivelmente alguém pode esperar enxergar alguma coisa sem se demorar? Vão dizer que a vida está passando por você porque não entendem a necessidade de contemplar. E que isso leva tempo.
Nós nunca conversamos, nunca dançamos e também não queremos crescer. Talvez porque chegue com os primeiros respiros da vida adulta a certeza do que antes era só uma desconfiança. Outras vidas podem valer mais a pena. Essa, só com amor. Sem amor, você não é nada, está fadado ao fracasso. O fundo é solidão, mas a superfície é o inferno.

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