12 de janeiro de 2013

sem título

Aquilo sobre escorregar. Por que andar desviando das cascas de banana quando tu não sabe aonde tá indo? Nesse caso, melhor escorregar. E tu não lembrava. Achei que tu fosse lembrar. Sempre me intriga isso, por que um lembra e o outro não, se os dois viveram a mesma coisa. Por que selecionamos momentos e lembranças diferentes. E certamente deve existir uma explicação científica, neurológica, psicológica, daquelas que a gente não entende, mas por quê? Me diz tu, por quê? Por que desviar, por que escorregar, por que tu não lembrava. Não deve lembrar de todo o resto também, anos e anos de bobagem. Mas isso não vem ao caso, não importa mais. Ainda acho engraçado – de uma ironia tão bonita quanto irônica – que ele fosse justo teu amigo. Mais, que logo tu tivesse tentado nos apresentar. Vocês iam se dar tri bem, não quer que eu te apresente? Risadinha constrangida, não, não vou saber o que dizer. Imagina, um completo desconhecido. E logo eu, que mal consigo falar at all. Mas a vida tratou de nos juntar por conta própria assim mesmo e, é, a gente se deu tri bem. Muito mais do que isso. Como tu disse, como previsto. E mesmo assim a gente insiste em dizer que a vida é imprevisível. Não é. É só olhar. A maioria dos dias e de tudo o que acontece em todos esses dias acontece exatamente como a gente imaginou na noite anterior, antes de dormir. Como a gente previa. Vou levantar, tomar café, fumar um cigarro, ir para o trabalho, voltar, tomar banho, jantar, ver tv, ler, ouvir música, fumar outro cigarro, dormir tarde. Todos os dias. Para cada surpresa, uma série de eventos previsíveis e previstos. Nós sabemos do futuro todos os dias e ignoramos, e toda essa previsibilidade passa sem ser notada. Quem vai dizer que eu não vou morrer amanhã? Atropelada por um ônibus ou por um carro, pelo motorista babaca cuja primeira reação ao ver o sinal vermelho não é frear, mas acelerar, passar rapidinho, que mal há, não dá nada. Nós vemos o futuro o tempo todo, só não percebemos. Talvez eu soubesse há dez anos exatamente o que seria hoje; talvez eu saiba agora exatamente o que serei daqui a dez anos. Ou fingimos não perceber porque não saberíamos lidar com isso. E aí passamos a vida toda reunindo fragmentos de uma história que nunca vamos compreender. Se somos em cada momento tudo o que já fomos e tudo o que ainda seremos. E no meio disso a misteriosa e incalculável sucessão de eventos que leva dois seres a se encontrarem em determinado momento de suas vidas. Aquele exato momento, único no tempo e no universo. Aquele, e não qualquer outro. Nem dois anos antes, nem dois anos depois. Ainda me lembro das primeiras vezes que te vi, no inverno, usando a jaqueta laranja. Aquele concurso bobo que fez todos nós nos conhecermos naquele ano. E tu nem era daqui. Fico imaginando onde as pessoas estavam antes de eu conhecê-las. Onde tu tava. Onde ele tava. Se cinco ou dez anos antes as engrenagens do destino já se moviam na direção do encontro futuro ou se tudo – a cidade, o prédio, as pessoas, o trabalho – não passa de um bolo de acasos e coincidências de proporções monstruosas e incontroláveis. E a gente se conheceu; eu e tu, e cinco anos depois eu e ele. E a gente se conheceu porque eu tinha um blog e porque ele tinha um blog, e eu tinha um blog porque comecei a escrever coisas mais elaboradas que um diário, e eu comecei a escrever coisas mais elaboradas que um diário porque descobri o blog de um rapazinho escritor genial que me trouxe pra esse mundo, e eu descobri o blog desse rapazinho porque era amiga de um amigo dele, e era amiga desse amigo porque – acaba aqui. Minha memória não vai mais para trás do que isso. E do caminho dele eu pouco sei além do fato de que por alguns anos moramos na mesma cidade e estudamos no mesmo colégio sem saber. Mas o fato é que nos conhecemos. E tu tava certo, a gente era muito parecido. Talvez até demais. E nos demos bem desde o começo, desde a primeira conversa, a primeira ligação e o primeiro encontro. Até ali eu acreditava que tu poderia ter sido o meu ápice. Eu gostei demais de ti, e tu nunca teve ideia, noção do quanto. Por mais besteiras que eu tenha dito e feito, e eu sei que disse e fiz, porque eu era muito boba. Quase idiota. É provável que ainda seja. De se entregar. E me entreguei pra ele também, mas aí foi completamente diferente. Me deixei apaixonar, mas com ele não era um caminho que eu percorresse sozinha, como foi contigo. Não era só eu. Pelo menos não até certo ponto. Foi o que eu vivi de mais intenso desde sempre. Uma paixão relâmpago tão forte que foi capaz de me derrubar. De me pôr no chão, e por muito tempo sem a menor intenção de levantar. E hoje eu sou outra. Suponho que ele também. Tu eu não sei. O que eu vejo é que tu tem hoje, com ela, o que eu imaginava pra gente no nosso tempo, sem saber que não tinha como. Hoje eu sei. E guardo por ti um carinho especial – só teu, ninguém mais tem isso de mim. Enfim. O engraçado, e o que eu só descobri recentemente, é que ele achava que eu fosse como ele. Ele me disse isso. Achou que eu fosse como ele, não exatamente canalha, mas desapegada. Eu não era. Não na época. Ele era. E eu soube disso o tempo todo. Era obrigada a saber, mesmo que não quisesse, mas deixava pra lá. A cada noite sem saber se ele viria. Todos os dias em que eu não sabia se a gente se veria outra vez. O vazio. Quando eu comecei a fazer o caminho sozinha. E mesmo assim o que a gente viveu foi o que foi. Amor que tem marcas até hoje. Foi nosso, continua sendo, vai ser sempre. E o meu desapego veio depois. Porque não tem saúde que aguente. Tu bem sabe. Os outros caras, que eu conheci depois, não são nada perto dele. Do que ele me fazia sentir. Não conseguem um terço do meu interesse ou da minha vontade. Não me fazem sentir nada. Desse tipo de casca, aí sim, prefiro desviar. E hoje não sabemos o que somos. Talvez nem ele seja um canalha nem eu uma apaixonada. Ou desapegada. Eu não sou nada, essa é que é a verdade. Não sei de nada também. Mas às vezes uma voz interna me fala. Tão lá no fundo que não é difícil fazer de conta que ela não existe, mas às vezes eu ouço, baixinho no silêncio. Talvez fosse ele. Eu conheci a pessoa certa na hora errada.

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