As flores no cabelo poderiam ser as mesmas que a rodeavam enquanto fixava os olhos redondos num ponto qualquer e se punha a pensar no futuro. É o que de mais incerto faz parte da classe humana e assim mesmo pensamos nele com tal freqüência. E a menina ali sentada, a pensar nas coisas que não podia determinar. E também naquelas que ela não ousava - ou não conseguia, quem o dirá - sequer formular, os segredos tão íntimos que não contamos para nós mesmos. Que medo de ficar velha e sozinha. Logo hoje, que ninguém mais consegue ficar sozinho e ao mesmo tempo todos estão. Esses clichês que cercam a efemeridade.
Eu tive esse sonho horrível contigo, em que tu cravava uma faca na minha barriga e depois me beijava com o mesmo amor de antes. E eu não sentia dor ou via sangue, só a incoerência entre a raiva e a vontade de te ver morto e a satisfação por estar ali, teu corpo sobre o meu. E pouco depois tu me olhava e usava a mesma faca em ti mesmo, tirando a própria vida. "Tá tudo bem?", eu tive vontade de ligar e perguntar quando acordei assustada.
Ninguém pode carregar ou se livrar sozinho de uma culpa. As culpas estão sempre a passear por aí; não são de ninguém, mas são de todos. Faz lembrar a cumplicidade. Até nas piores coisas, aquelas que nem deveriam existir. Já pensou se nós pudéssemos renunciar? 'Não quero, não, obrigado', e então acabou-se. Como as imagens dos sonhos que são arrancadas da memória e tudo o que se sabe é que parou ali. Sentar e ver, parada, as pessoas movendo-se constantemente a poucos passos era um contraste com a correria da própria vida. O prazer de parar, fazendo confortável qualquer banco sem encosto. Quem sabe passar a vida correndo amenizaria velhice e solidão. Isso porque é bonito ser um jovem solitário. E é simplesmente lindo ser um velho acompanhado, até que a morte os separe. Mas não há qualquer poesia em um velho solitário.
Eu me lembro às vezes de quando tu tava por aqui e das bobagens que a gente conseguia dizer. E no entanto meu lirismo não é suficiente. Dos planos que eu tinha pra gente eu não mantive nenhum e nenhum deixou de ser só um plano. Umas idéias vagas e felizes que passaram pela minha cabeça, tantas e tantas vezes. Eu quis dar um presente de aniversário. Mesmo que um dia eu queira. A vida. Um por quê. Os planos de vôo. O chão. E passou em uns poucos segundos todo o tempo preciso para passar. Lembrar hoje em dia não é alarde, alarde é não lembrar.
Pouca coisa na vida é tão bom quanto falar besteira. E acho que pouca gente sabe disso.
"Tu tem aula no Vale agora?"
"Não, não. Só vim dar uma volta. Mas senti vontade de ter."
"Por quê?"
"As árvores."
Minha metáfora.
E quem sabe o que viria depois.
5 de outubro de 2011
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